“Orgulho “
Quando todos começarmos do chão como as sementes,
como as árvores fortes, como as árvores úteis,
e não houver parasitas dos ramos alheios;
quando a terra pertencer aos homens, como aos rios
que a fecundam sem ver cercados nem fronteiras;
e tudo o que existir, e o que for encontrado,
a água pura, o petróleo, o ouro, o fruto agreste,
não tiver donos também, como as auroras e os
crepúsculos,
como as estrelas e a noite, como as nuvens e o sol;
quando houver sempre um teto sobre todas as cabeças
resguardando-as das chuvas, protegendo-as dos
ventos,
como há sempre sobre nós o côncavo dos céus;
quando todos tiverem jardins, flores e pássaros,
ou crianças barulhentas, sadias e tagarelas,
e tiverem a horas certas, na mesa branca, o pão,
e a horas incertas no leito, o remédio necessário;
quando o trabalho for leve, alegre como a música
nas horas de prazer e despreocupação,
e em verdade, for a alegria e a música da vida;
quando a boca que se abre pela primeira vez
tiver um seio farto e o cuidado da ciência;
e a infância, liberdade, brinquedos e recreios,
e a juventude, livros, planos e companheiras,
e os homens todos, os mesmos meios de conquista,
e já não existir medo do mundo nem da vida
porque a vida e o mundo estarão ao nosso alcance;
quando a velhice não tiver mais receio do tempo
porque o tempo a levará em segurança ao fim;
quando já não houver trabalhos dignos e indignos
porque todas as parcelas estarão na mesma soma,
e o sábio e o operário, o artista e o camponês,
seguirem, paralelamente, os seus caminhos,
sem nunca se encontrar, mas sem humilhações;
quando as gramáticas e as raças não separarem os
homens
porque todos se entenderão sem raças nem
gramáticas,
e verão que mais além das cores e dos idiomas
está o Homem – e só por isso, somos iguais e
irmãos;
quando nossos filhos crescerem sem a angústia do
futuro
e nós vivermos em paz sem as incertezas do presente,
e já não restar vestígios do ódio perdido no passado;
quando todos os templos erguerem sobre a terra
suas torres, minaretes, cruzes ou abóbadas,
e sobre eles, mais alto, o céu se desdobrar
para que todos os olhos se encontrem e se
compreendam;
quando todos começarmos do chão como as sementes
embora os galhos se elevem às mais várias alturas
e façam sobre o solo as sombras mais diversas;
e todos forem donos de seus próprios pés
e todos forem donos de suas próprias mãos,
e do seu pensamento, e do seu coração;
quando, enfim, nos tornarmos Senhores de nós
mesmos,
e não houver falsas leis servindo aos poderosos
e a justiça socorrer, na rua, aos homens todos;
quando chegar o momento em que a força será inútil,
porque todos seremos fortes e nada nos vencerá,
e não houver grades nos olhos, e não houver ferros
nos pulsos,
nem morais absurdas que nos deformem e domem:
– então, sim, bendirei o instante em que nasci
e sentirei o orgulho de ser homem!
José Guilherme de Araújo Jorge nasceu em 20 de maio de 1914, no Acre. Realizou os estudos primários em Rio Branco e depois partiu para o Rio de Janeiro, onde concluiu os estudos secundários. Cursou a Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, na qual foi fundador e presidente da Academia de Letras.
J. G. era colaborador de vários jornais e revistas da época e também orador oficial de diversas entidades universitárias, como a UNE e a Associação Universitária.
Em 1965 se tormou professor de literaratura e história do famoso colégio Pedro II.
Muito ligado à politica, o poeta foi deputado federal por três vezes. Sua atuação política defendendo o socialismo e a democracia lhe rendeu perseguições.
J.G. de Araújo Jorge tem sua obra caracterizada pela temática social e política e pelo romantismo.
Faleceu em janeiro de 1987 e ficou conhecido como o “Poeta do Povo e da Mocidade”.
O poema acima foi retirado do livro Antologia Poética – Volume I – Editora Novo Tempo Edições.
Karina