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Hilda Hist

Alcoólicas (I)

 vein

 

É crua a vida. Alça de tripa e metal.

 

Nela despenco: pedra mórula ferida.

 

É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.

 

Como-a no livor da língua

 

Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me

 

No estreito-pouco

 

Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida

 

Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.

 

E perambulamos de coturno pela rua

 

Rubras, góticas, altas de corpo e copos.

 

A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.

 

E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima

 

Olho d’água, bebida. A Vida é líquida.

 

Karina

 

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Que fizeste da palavra?

O belo poema a seguir reproduzido foi escrito pelo autor português Eugénio de Andrade, falecido em 2005. Deixou vasta obra poética, tendo se consagrado com a obra “As Mãos e os Frutos”. Vale a pena conhecer.

“Que fizeste das palavras?

Que contas darás tu dessas vogais

de um azul tão apaziguado?

 

E das consoantes, que lhes dirás,

ardendo entre o fulgor

das laranjas e o sol dos cavalos?

 

Que lhes dirás, quando

te perguntarem pelas minúsculas

sementes que te confiaram?”

 

 

Telma

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Hino de Amor

HINO DE AMOR


Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O bom Jesus,
O Deus Menino.

Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
E esvoaçando
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do Sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto,
Foge a serpente,
E de repente
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência,
Que comovia
O coração!
Jesus caminha
No seu passeio,
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio
Enquanto o via;
De vez em quando
Lá lhe passava
A dianteira
E mal poisava,
Não afroixava
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!

Assim foi indo
E foi seguindo.
De tal maneira,
Que noite e dia
Numa palmeira,
Que havia perto
Donde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
(Era já certo)
Ela lá estava
A pobre ave
Cantando o hino
Terno e suave
Do seu amor
Ao Salvador!

(João de Deus)

Karina

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A Chácara do Chico Bolacha

Para aquecer essa gelada quinta-feira, nada melhor para a criançada do que um chocolate quente e um bom poema. Sim, ler esquenta a imaginação…

Abaixo segue a poesia da inesquecível Cecília Meireles denominada “A Chácara do Chico Bolacha”, escrita em 1964. Além de muito criativa, ensina os pequenos a escreverem as palavras, diferenciando o “x” do “ch”, regra que costuma ser fonte de dúvidas para os aprendizes que se iniciam nos mistérios da escrita. Aliás, a melhor maneira de aprender a ortografia é ler. Bom proveito!

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A CHÁCARA DO CHICO BOLACHA

Na chácara do Chico Bolacha,

o que se procura

nunca se acha!


Quando chove muito,

o Chico  brinca de barco,

porque a chácara vira charco.


Quando não chove nada,

Chico trabalha com a enxada

e logo se machuca

e fica de mão inchada.


Por isso, com o Chico Bolacha,

o que se procura

nunca se acha.


Dizem que a chácara do Chico

só tem mesmo chuchu

e um cachorrinho coxo

que se chama Caxambu.


Outras coisas, ninguém procure,

porque não acha.

Coitado do Chico Bolacha!

Telma

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Vamos sentir como Alberto Caeiro

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Fernando Pessoa é indispensável; leitura obrigatória. O mais interessante na obra desse português nascido em 1888, é o fenômeno da heteronímia. Como é sabido, o inigualável autor criou três personalidades literárias distintas, cada qual com seu nome próprio, suas características pessoais e seus atributos peculiares, distintos daqueles referentes a ele mesmo, Fernando Pessoa, seu criador.

Assim, ler Fernando Pessoa é ler quatro autores (no mínimo) diferentes ao mesmo tempo, ao gosto do leitor, que pode escolher entre Fernando Pessoa “ele-mesmo”, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.

Utilizando-se do recurso dos heterônimos, a obra de Fernando Pessoa pode ser classificada como multifacetada e completamente original, já que cada um dos “autores” criados escreve à sua maneira e sobre temas diferentes. Coisas de gênio, é claro.

Para hoje, selecionamos um trecho da série de  49 poemas intitulada “Guardador de Rebanhos”, de Alberto Caeiro, escrita entre 1911 e 1912.

O heterônimo Alberto Caeiro é a criação de Fernando Pessoa que vive em absoluto contato com a natureza e sua filosofia de vida é sentir, sem muito pensar. Sua busca incessante é pela total naturalidade no viver. Procura ver as coisas como elas são, sem tentar atribuir-lhes significados ou razões de ser.

Abaixo, reproduzimos excerto de “Guardador de Rebanhos”.

“Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?

Sei lá o que penso do mundo!

Se eu adoecesse pensaria nisso.

 

Que idéia tenho eu das cousas?

Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?

Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma

E sobre a criação do Mundo?

 

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos

E não pensar. É correr as cortinas

Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

 

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!

O único mistério é haver quem pense no mistério.

Quem está ao sol e fecha os olhos,

Começa a não saber o que é o sol

E a pensar muitas cousas cheias de calor.

Mas abre os olhos e vê o sol,

E já não pode pensar em nada,

Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos

De todos os filósofos e de todos os poetas.

A luz do sol não sabe o que faz

E por isso não erra e é comum e boa.

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Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?

A de serem verdes e copadas e de terem ramos

E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,

A nós,  que não sabemos dar por elas.

Mas que melhor metafísica que a delas,

Que é a de não saber para que vivem

Nem saber o que não sabem?” 

Telma

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Para Florbela Espanca sempre pedimos bis

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Já homenageamos a inigualável poetisa portuguesa nesse espaço. Mas nunca é demais ler e reler Florbela Espanca. Porque o que ela escreveu ilumina a alma e acalenta o coração Dá pra sentir a paixão que corria em suas veias.

Caro leitor: quando estiver desalentado, triste ou sem inspiração, leia pausadamente uma bela poesia de Florbela e o mundo até parecerá mais colorido…

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Desdém:

“Andas dum lado pro outro
Pela rua passeando;
Finges que não queres ver
Mas sempre me vais olhando.

É um olhar fugidio,
Olhar que dura um instante,
Mas deixa um rasto de estrelas
O doce olhar saltitante…

É esse rasto bendito
Que atraiçoa o teu olhar,
Pois é tão leve e fugaz
Que eu nem o sinto passar!

Quem tem uns olhos assim
E quer fingir o desdém,
Não pode nem um instante
Olhar os olhos d’alguém…

Por isso vai caminhando…
E se queres a muita gente
Demonstrar que me desprezas
Olha os meus olhos de frente.”

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Oração de Joelhos

Bendita seja a mãe que te gerou!
Bendito o leite que te fez crescer!
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama pra te adormecer!

Bendito seja o brilho do luar
Da noite em que nasceste tão suave,
Que deu essa candura ao teu olhar
E à tua voz esse gorjeio d’ave!

Benditos sejam todos que te amarem!
Os que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão, fervente, louca!

E se mais, que eu, um dia te quiser
Alguém, bendita seja essa mulher!
Bendito seja o beijo dessa boca! “

Telma

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Olavo Bilac para crianças!

Já falamos aqui neste blog que Olavo Bilac foi um dos maiores nomes da literatura brasileira em sua fase parnasiana. Seus poemas são um primor no que diz respeito ao culto da forma e à linguagem elaborada, sem deixar a emoção de lado.

Mas Bilac não escreveu só para gente grande. Aproveitou seu talento para elaborar poemas dedicados às crianças.

A seguir reproduziremos alguns deles que, certamente, encantarão os leitores.

 

A Avó

“A avó, que tem oitenta anos,

Está tão fraca e velhinha! . . .

Teve tantos desenganos!

Ficou branquinha, branquinha,

Com os desgostos humanos.

Hoje, na sua cadeira,

Repousa, pálida e fria,

Depois de tanta canseira:

E cochila todo o dia,

E cochila a noite inteira.

Às vezes, porém, o bando

Dos netos invade a sala . . .

Entram rindo e papagueando:

Este briga, aquele fala,

Aquele dança, pulando . . .

A velha acorda sorrindo,

E a alegria a transfigura;

Seu rosto fica mais lindo,

Vendo tanta travessura,

E tanto barulho ouvindo.

Chama os netos adorados,

Beija-os, e, tremulamente,

Passa os dedos engelhados,

Lentamente, lentamente,

Por seus cabelos, doirados.

Fica mais moça, e palpita,

E recupera a memória,

Quando um dos netinhos grita:

“Ó vovó! conte uma história!

Conte uma história bonita!”

Então, com frases pausadas,

Conta historias de quimeras,

Em que há palácios de fadas,

E feiticeiras, e feras,

E princesas encantadas . . .

E os netinhos estremecem,

Os contos acompanhando,

E as travessuras esquecem,

– Até que, a fronte inclinando

Sobre o seu colo, adormecem . . .”

–//–

A Borboleta

Trazendo uma borboleta,

Volta Alfredo para casa.

Como é linda! é toda preta,

Com listas douradas na asa.

Tonta, nas mãos da criança,

Batendo as asas, num susto,

Quer fuguir, porfia, cansa,

E treme, e respira a custo.

Contente, o menino grita:

“É a primeira que apanho,

“Mamãe! vê como é bonita!

“Que cores e que tamanho!

“Como voava no mato!

“Vou sem demora pregá-la

“Por baixo do meu retrato,

“Numa parede da sala”.

Mas a mamãe, com carinho,

Lhe diz: “Que mal te fazia,

“Meu filho, esse animalzinho,

“Que livre e alegre vivia?

“Solta essa pobre coitada!

“Larga-lhe as asas, Alfredo!

“Vê com treme assustada . . .

“Vê como treme de medo . . .

“Para sem pena espetá-la

“Numa parede, menino,

“É necessário matá-la:

“Queres ser um assassino?”

Pensa Alfredo . . . E, de repente,

Solta a borboleta . . . E ela

Abre as asas livremente,

E foge pela janela.

“Assim, meu filho! perdeste

“A borboleta dourada,

“Porém na estima cresceste

“De tua mãe adorada . . .

“Que cada um cumpra sua sorte

“Das mãos de Deus recebida:

“Pois só pode dar a Morte

“Aquele que dá a Vida!”

–//–

 O Universo
(Paráfrase)


A Lua:

Sou um pequeno mundo;

Movo-me, rolo e danço

Por este céu profundo;

Por sorte Deus me deu

Mover-me sem descanso,

Em torno de outro mundo,

Que inda é maior do que eu.

A Terra:

Eu sou esse outro mundo;

A lua me acompanha,

Por este céu profundo . . .

Mas é destino meu

Rolar, assim tamanha,

Em torno de outro mundo,

Que inda é maior do que eu.

O Sol:

Eu sou esse outro mundo,

Eu sou o sol ardente!

Dou luz ao céu profundo . . .

Porém, sou um pigmeu,

Quer rolo eternamente

Em torno de outro mundo,

Que inda é maior do que eu.

O Homem:

Por que, no céu profundo,

Não há-de parar mais

O vosso movimento?

Astros! qual é o mundo,

Em torno ao qual rodais

Por esse firmamento?

Todos os Astros:

Não chega o teu estudo

Ao centro disso tudo,

Que escapa aos olhos teus!

O centro disso tudo,

Homem vaidoso, é Deus!

 

 Karina

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Mais Vinicius de Moraes Para Crianças

A veia literária de Vinicius de Moraes realmente foi muito diversificada. Como já esclarecemos em um post anterior, o mestre da poesia não escreveu só para adultos. Tocou também o coração das crianças. Mas seus poemas infantis devem ser apreciados por pessoas de todas as idades, verdadeiras obras-primas que são.

A seguir, reproduzimos mais alguns deles, para deleite dos leitores:

São Francisco

Lá vai São Francisco

Pelo caminho

De pé descalço

Tão pobrezinho           

Dormindo à noite

Junto ao moinho

Bebendo a água                                

Do ribeirinho.

Lá vai São Francisco

De pé no chão

Levando nada

No seu surrão

Dizendo ao vento

Bom dia, amigo

Dizendo ao fogo

Saúde, irmão.

Lá vai São Francisco

Pelo caminho

Levando ao colo

Jesuscristinho

Fazendo festa no menininho

Contando histórias

Pros passarinhos.

 

O Pinguim

Bom dia, Pinguim

Onde vai assim

Com ar apressado?

Eu não sou malvado

Não fique assustado                   

Com medo de mim.                          

Eu só gostaria                                   

De dar um tapinha

No seu chapéu jaca

Ou bem de levinho

Puxar o rabinho

Da sua casaca.

 

O Peru

Glu! Glu! Glu!

Abram alas pro Peru!

O Peru foi a passeio

Pensando que era pavão

Tico-tico riu-se tanto

Que morreu de congestão.

O Peru dança de roda

Numa roda de carvão

Quando acaba fica tonto

De quase cair no chão.                   

O Peru se viu um dia                            

Nas águas do ribeirão

Foi-se olhando, foi dizendo

Que beleza de pavão!

Glu! Glu! Glu!

Abram alas pro Peru!

 

Telma

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