Archive for dezembro, 2008

Fim de Ano

 Praticamente às vésperas do fim do ano deixaremos aos leitores do blog uma fórmula infalível para que o Ano Novo de cada um seja mais feliz. A receita é dada pelo poeta Carlos Drummond de Andrade.

Feliz 2009 a todos!

mafalda

“Receita de Ano Novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre”.

 Karina

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Belo conto de Natal de Dostoiévski

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“A árvore de Natal na casa de Cristo

Havia num porão uma criança, um garotinho de seis anos de idade, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no porão úmido e frio. Tiritava, envolto nos seus pobres andrajos. Seu hálito formava, ao se exalar, uma espécie de vapor branco, e ele, sentado num canto em cima de um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor da boca, pelo prazer de vê-lo se esvolar. Mas bem que gostaria de comer alguma coisa. Diversas vezes, durante a manhã, tinha se aproximado do catre, onde num colchão de palha, chato como um pastelão, com um saco sob a cabeça à guisa de almofada, jazia a mãe enferma. Como se encontrava ela nesse lugar? Provavelmente tinha vindo de outra cidade e subitamente caíra doente. A patroa que alugava o porão tinha sido presa na antevéspera pela polícia; os locatários tinham se dispersado para se aproveitarem também da festa, e o único tapeceiro que tinha ficado cozinhava a bebedeira há dois dias: esse nem mesmo tinha esperado pela festa. No outro canto do quarto gemia uma velha octogenária, reumática, que outrora tinha sido babá e que morria agora sozinha, soltando suspiros, queixas e imprecações contra o garoto, de maneira que ele tinha medo de se aproximar da velha. No corredor ele tinha encontrado alguma coisa para beber, mas nem a menor migalha para comer, e mais de dez vezes tinha ido para junto da mãe para despertá-la. Por fim, a obscuridade lhe causou uma espécie de angústia: há muito tempo tinha caído a noite e ninguém acendia o fogo. Tendo apalpado o rosto de sua mãe, admirou-se muito: ela não se mexia mais e estava tão fria como as paredes. “Faz muito frio aqui”, refletia ele, com a mão pousada inconscientemente no ombro da morta; depois, ao cabo de um instante, soprou os dedos para esquentá-los, pegou o seu gorrinho abandonado no leito e, sem fazer ruído, saiu do cômodo, tateando. Por sua vontade, teria saído mais cedo, se não tivesse medo de encontrar, no alto da escada, um canzarrão que latira o dia todo, nas soleiras das casas vizinhas. Mas o cão não se encontrava alí, e o menino já ganhava a rua.

Senhor! que grande cidade! Nunca tinha visto nada parecido, De lá, de onde vinha, era tão negra a noite! Uma única lanterna para iluminar toda a rua. As casinhas de madeira são baixas e fechadas por trás dos postigos; desde o cair da noite, não se encontra mais ninguém fora, toda gente permanece bem enfunada em casa, e só os cães,às centenas e aos milhares,uivam, latem, durante a noite. Mas, em compensação, lá era tão quente; davam-lhe de comer… ao passo que ali… Meu Deus! se ele ao menos tivesse alguma coisa para comer! E que desordem, que grande algazarra ali, que claridade, quanta gente, cavalos, carruagens… e o frio, ah! este frio! O nevoeiro gela em filamentos nas ventas dos cavalos que galopam; através da neve friável o ferro dos cascos tine contra a calçada;toda gente se apressa e se acotovela, e, meu Deus! como gostaria de comer qualquer coisa, e como de repente seus dedinhos lhe doem! Um agente de policia passa ao lado da criança e se volta, para fingir que não vê.
Eis uma rua ainda: como é larga! Esmaga-lo-ão ali, seguramente; como todo mundo grita, vai, vem e corre, e como está claro, como é claro! Que é aquilo ali? Ah! uma grande vidraça, e atrás dessa vidraça um quarto, com uma árvore que sobe até o teto; é um pinheiro, uma árvore de Natal onde há muitas luzes, muitos objetos pequenos, frutas douradas, e em torno bonecas e cavalinhos. No quarto há crianças que correm; estão bem vestidas e muito limpas, riem e brincam, comem e bebem alguma coisa. Eis ali uma menina que se pôs a dançar com um rapazinho. Que bonita menina! Ouve-se música através da vidraça. A criança olha, surpresa; logo sorri, enquanto os dedos dos seus pobres pezinhos doem e os das mãos se tornaram tão roxos, que não podem se dobrar nem mesmo se mover. De repente o menino se lembrou de que seus dedos doem muito; põe-se a chorar, corre para mais longe, e eis que, através de uma vidraça, avista ainda um quarto, e neste outra árvore, mas sobre as mesas há bolos de todas as qualidades, bolos de amêndoa, vermelhos, amarelos, e eis sentadas quatro formosas damas que distribuem bolos a todos os que se apresentem. A cada instante, a porta se abre para um senhor que entra. Na ponta dos pés, o menino se aproximou, abriu a porta e bruscamente entrou. Hu! com que gritos e gestos o repeliram! Uma senhora se aproximou logo, meteu-lhe furtivamente uma moeda na mão, abrindo-lhe ela mesma a porta da rua. Como ele teve medo! Mas a moeda rolou pelos degraus com um tilintar sonoro: ele não tinha podido fechar os dedinhos para segurá-la. O menino apertou o passo para ir mais longe – nem ele mesmo sabe aonde. Tem vontade de chorar; mas dessa vez tem medo e corre. Corre soprando os dedos. Uma angústia o domina, por se sentir tão só e abandonado, quando, de repente: Senhor! Que poderá ser ainda? Uma multidão que se detém, que olha com curiosidade. Em uma janela, através da vidraça, há três grandes bonecos vestidos com roupas vermelhas e verdes e que parecem vivos! Um velho sentado parece tocar violino, dois outros estão em pé junto de e tocam violinos menores, e todos maneiam em cadência as delicadas cabeças, olham uns para os outros, enquanto seus lábios se mexem; falam, devem falar – de verdade – e, se não se ouve nada, é por causa da vidraça. O menino julgou, a princípio, que eram pessoas vivas, e, quando finalmente compreendeu que eram bonecos, pôs-se de súbito a rir. Nunca tinha visto bonecos assim, nem mesmo suspeitava que existissem! Certamente, desejaria chorar, mas era tão cômico, tão engraçado ver esses bonecos! De repente pareceu-lhe que alguém o puxava por trás. Um moleque grande, malvado, que estava ao lado dele, deu-lhe de repente um tapa na cabeça, derrubou o seu gorrinho e passou-lhe uma rasteira. O menino rolou pelo chão, algumas pessoas se puseram a gritar: aterrorizado, ele se levantou para fugir depressa e correu com quantas pernas tinha, sem saber para onde. Atravessou o portão de uma cocheira, penetrou num pátio e sentou-se atrás de um monte de lenha. “Aqui, pelo menos”, refletiu ele, “não me acharão: está muito escuro.”
Sentou-se e encolheu-se, sem poder retomar fôlego, de tanto medo, e bruscamente, pois foi muito rápido, sentiu um grande bem-estar, as mãos e os pés tinham deixado de doer, e sentia calor, muito calor, como ao pé de uma estufa. Subitamente se mexeu: um pouco mais e ia dormir! Como seria bom dormir nesse lugar! “mais um instante e irei ver outra vez os bonecos”, pensou o menino, que sorriu à sua lembrança: “Podia jurar que eram vivos!”… E de repente pareceu-lhe que sua mãe lhe cantava uma canção. “Mamãe, vou dormir; ah! como é bom dormir aqui!”
– Venha comigo, vamos ver a árvore de Natal, meu menino – murmurou repentinamente uma voz cheia de doçura.
Ele ainda pensava que era a mãe, mas não, não era ela. Quem então acabava de chamá-lo? Não vê quem, mas alguém está inclinado sobre ele e o abraça no escuro, estende-lhe os braços e… logo… Que claridade! A maravilhosa árvore de Natal! E agora não é um pinheiro, nunca tinha visto árvores semelhantes! Onde se encontra então nesse momento? Tudo brilha, tudo resplandece, e em torno, por toda parte, bonecos – mas não, são meninos e meninas, só que muito luminosos! Todos o cercam, como nas brincadeiras de roda, abraçam-no em seu vôo, tomam-no, levam-no com eles, e ele mesmo voa e vê: distingue sua mãe e lhe sorrir com ar feliz.
– Mamãe! mamãe! Como é bom aqui, mamãe! – exclama a criança. De novo abraça seus companheiros, e gostaria de lhes contar bem depressa a história dos bonecos da vidraça… – Quem são vocês então, meninos? E vocês, meninas, quem são? – pergunta ele, sorrindo-lhes e mandando-lhes beijos.
– Isto… é a árvore de Natal de Cristo – respondem-lhe. – Todos os anos, neste dia, há, na casa de Cristo, uma árvore de Natal, para os meninos que não tiveram sua árvore na terra…
E soube assim que todos aqueles meninos e meninas tinham sido outrora crianças como ele, mas alguns tinham morrido, gelados nos cestos, onde tinham sido abandonados nos degraus das escadas dos palácios de Petersburgo; outros tinham morrido junto às amas, em algum dispensário finlandês; uns sobre o seio exaurido de suas mães, no tempo em que grassava, cruel, a fome de Samara; outros, ainda, sufocados pelo ar mefítico de um vagão de terceira classe. Mas todos estão ali nesse momento, todos são agora como anjos, todos juntos a Cristo, e Ele, no meio das crianças, estende as mãos para abençoá-las e às pobres mães… E as mães dessas crianças estão ali, todas, num lugar separado, e choram; cada uma reconhece seu filhinho ou filhinha que acorrem voando para elas, abraçam-nas, e com suas mãozinhas enxugam-lhes as lágrimas, recomendando-lhes que não chorem mais, que eles estão muito bem ali…
E nesse lugar, pela manhã, os porteiros descobriram o cadaverzinho de uma criança gelada junto de um monte de lenha. Procurou-se a mãe… Estava morta um pouco adiante; os dois se encontraram no céu, junto ao bom Deus
. ”

O tocante conto acima foi escrito por Fiódor Dostoievski.

dostoievski1Dostoievski nasceu em Moscou em 30 de outubro de 1821. Sua mãe morreu de tuberculose quando ele ainda era muito jovem, em 1837. Dois anos depois, perdeu o pai que era médico.

Estudou a contragosto em uma escola militar de Engenharia, época em que começou a ler as obras dos grandes escritores de sua época.

Aos 17 anos, Dostoievski teve sua primeira crise de epilepsia, após saber que seu pai fora assassinado pelos colonos da propriedade rural da família, em razão de vingança por maus-tratos supostamente sofridos. A doença o acompanharia durante  toda a vida.

Aos 22 anos Dostoievski deixou o exército para dedicar-se à literatura. Em 1849 envolveu-se com um grupo socilaista revolucionário e, após uma denúncia,  foi preso e condenado à morte por fuzilamento. No entanto, sua pena foi atenuada no útltimo momento e a sentença foi no sentido de que cumprisse trabalhos forçados na Sibéria.

O autor passou muitos anos preso e prestando serviços como soldado raso e nesse período escreveu o romance Recordações da Casa dos Mortos.

As crises de epilepsia e a leitura da bíblia na fase de reclusão tiveram essencial relevância para a sua conversão ao cristianismo.

Sem dúvida um dos maiores escritores de todos os tempos, autor da grande obra Crime e Castigo, dentre outras de igual grandeza,  Dostoievski escreveu sobre o homem e suas mazelas de forma absolutamente genial.

Karina

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Mais Natal: Papai Noel

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Persistimos na onda natalina. Agora trazemos ao leitor o poema  “The Night Before Christmas”, do escritor americano Clement Moore, elaborado no longínquo ano de 1822. Referido poema traz, pela primeira vez a imagem do Papai Noel tal como o conhecemos hoje, com as figuras do trenó, das renas, da chaminé e do saco de brinquedos.

Clement Moore nasceu em 1779, vindo a falecer em 1863 e o poema abaixo (“A véspera de Natal”) é também conhecido como “Uma visita de São Nicolau”.

Era véspera de Natal, e a casa dormia
Nem mesmo um camundongo por ela se movia
As meias, na chaminé, esperavam, de leve
Que São Nicolau chegasse em breve

As crianças dormiam entre quentes cobertas
Sonhando com os doces que viriam na certa
E eu e a mamãe, de lenço e boné
Ressonávamos tranqüilos, noite afora até

Que um estrondo lá fora chamasse a atenção.
Levantei-me para ver qual era a confusão.
Como um relâmpago corri para a janela
Abri as persianas, a cortina que velai

E a Lua que reluzia sobre a neve recente
Iluminava a cena como um sol nascente
E diante dos meus olhos surgiram, repentinos,
Oito renas minúsculas e um trenó pequenino

Com um velho à rédea, feliz e com pique
Logo tive a certeza de que era São Nick
Rápido como uma águia, o trenó voava
E ele, entre assobios, cada rena chamava

“Vamos Dasher, vamos Dancer, vamos Prancer e Vixen!
Vamos Comet, vamos Cupid, vamos Donner e Blitzen!
Por sobre a varanda e por sobre o telhado!
Voando, voando, por todos os lados!”

E como folhas secas ao vento do furacão
Que não respeitam barreira à sua ascensão
As renas voavam casa acima, pelo céu
Puxando o trenó, brinquedos e Noel

E depois eu ouvi, por sobre o telhado
Os cascos se movendo em tom ritmado
E quando fechei a janela e me virei para olhar
Da chaminé percebi São Nicolau saltar

Vestido de peles, dos pés à cabeça
Coberto de pó e de fuligem espessa
Ele trazia às costas brinquedos variados
Como um vendedor chegando ao mercado

Seus olhos brilhavam, e seu rosto sorria
Na face rosada o nariz reluzia
Sua boca se abriu em um sorriso breve
E a barba em seu queixo era branca como a neve

O homem trazia um cachimbo entre os dentes
E a fumaça cercava seu rosto sorridente
Seu rosto pequeno e barriga arredondada
Se moviam como gelatina quando ele dava risada!

Tão gorducho e redondo, o alegre pequenino
Que sorri sem nem notar, ao vê-lo, ladino,
Me fazer um sinal, uma leve piscada,
Indicando situação nada arriscada

E sem uma palavra ele fez seu trabalho,
Enchendo as meias, e girando no assoalho
Ergueu um dedo em sinal de despedida
E pela chaminé procurou a saída

Saltou ao trenó, com um forte assobio,
E saíram aos ares com um rodopio
Mas o ouvi exclamar, no momento final
“Meu boa noite a todos, e um feliz natal”.

Telma

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Poema de Natal, por Vinicius de Moraes

viniComo sabemos, o grande Vinicius escreveu como ninguém: fez maravilhosos poemas e sonetos de amor, compôs letras e músicas belíssimas, escreveu crônicas, teatro em versos, prosa, poemas infantis… Enfim, não houve limites para  o seu talento.

Escreveu sobre o Natal também e com a maestria de sempre. Vejam:

POEMA DE NATAL: 

“Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

 
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.


Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.


Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.”

(poema extraído do livro Vinicius de Moraes – Poesia Completa e Prosa – Volume Único – pág. 223)

 Karina

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A redenção de Scrooge

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É véspera de Natal em Londres e todas as pessoas se preparam para celebrar a data, menos o velho Scrooge.

Ebenezer Scrooge é um homem de negócios avarento, solitário, sem sentimentos ou laços familiares. Sua única preocupação nesta véspera de Natal é que vai perder dinheiro, já que teve que dar folga a seu funcionário.

Enquanto questiona a razão de tanta comemoração, Scrooge é surpreendido com a visita de Jacob Marley, seu ex-sócio, falecido há anos no dia de Natal. Marley foi um homem tão egoísta e ganancioso quanto o velho Scrooge, mas seu espírito não consegue ter paz por causa do arrependimento que carrega consigo pela eternidade.

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Marley quer mostrar que ainda há tempo para que Scrooge se torne uma pessoa melhor e lhe apresenta três espíritos: o espírito dos Natais Passados, que conduz Scrooge de volta à sua infância e adolescência, época em que ele ainda preservava as amizades e amava o Natal; o espírito do Natal Presente, que mostra a Scrooge as comemorações natalinas do presente, inclusive a celebração de famílias humlides, mas felizes; e finalmente o espírito dos Natais Futuros, que mostra a Scrooge seu futuro completamente solitário.

Jacob Marley e os espíritos dão a Scrooge a chance de refletir sobre as suas atitudes e mudar. E é isso que acontece. Depois de mergulhar em si mesmo, o velho Scrooge percebe seu egoísmo e avareza e passa a olhar o próximo, no melhor estilo do verdadeiro espírito natalino.

A estória de Charles Dickens já foi milhares de vezes contada, recontada e até encenada, mas ainda consegue comover adultos e crianças.

Charles John Huffam Dickens nasceu em 1812 na Inglaterra e é um dos romancistas ingleses mais populares da era vitoriana. Foi Dickens quem introduziu a critica social na literatura de ficção inglesa.

 “A Christmas Carol”, título original de “Um conto de Natal” foi publicado em 1843 e é o mais famoso livro de Dickens. Além de mostrar a importância de valores como compaixão e fraternidade, o livro faz uma crítica ao capitalismo selvagem e à desigualdade social. Não deixe de ler!

Karina

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Mário de Andrade em “O Peru de Natal”

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Conforme já apontamos no post anterior, com a aproximação das festas de fim de ano, procuraremos nos ater a temas natalinos em nossos textos do blog.

Nesse sentido, trazemos à análise o famoso conto de Mário de Andrade, denominado “O Peru de Natal”, cuja leitura acreditamos ser indispensável.

Mário de Andrade nasceu em São Paulo, em 1893 e foi um grande escritor modernista, uma de suas tantas habilidades. Entre suas principais obras, convém citarmos “Amar, verbo intransitivo”, ” Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, e “Contos Novos”, entre outras.

Mas o próprio Mário, morto em 1945, explicitou sua preferência pelos contos, chegando a declarar que admirava a forma do conto por sua concisão e por propiciar uma comunicação direta entre o escritor e o leitor.

Pois bem. Já que a época é convidativa, a dica de leitura do post de hoje é justamente um conto de Mário de Andrade, envolvendo o clima de Natal.

“O Peru de Natal” conta a estória de uma família que viveu anos e anos marginalizada pela opressão de um pai conservador, frio e rígido. Com a morte do patriarca, o filho, narrador da estória, vislumbra a possibilidade de ver a família viver com mais paz, ternura e naturalidade. Para tanto, compra um peru para comemorar o Natal, apesar do luto em que ainda se encontra a família. Há um clima de culpa no ar em fazer-se festa apesar da morte do pai.

A idéia central do conto promove  uma crítica à sociedade consumista e às festas de família em geral onde, via de regra, reinam as aparências e a hipocrisia. O autor também procura mostrar o verdadeiro espírito de Natal, que não se confunde com presentes e ostentação de enfeites, comidas e bebidas.

Interessantíssimo!

Abaixo, colocamos trechos do conto mencionado, para despertar o apetite de leitura nos frequentadores do blog, lendo-o depois integralmente:

” O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeiras, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro sangue dos desmancha-prazeres.

Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família.

Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-nozes…), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas “loucuras”:

 – Bom, no Natal, quero comer peru.

Houve um desses espantos que ninguém não imagina. Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, advertiu que não podíamos convidar ninguém por causa do luto.

Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga.

Quando acabei meus projetos, notei bem, todos estavam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era loucura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de empurrarem pra cima de mim a… culpa de seus desejos enormes.

Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais maravilhoso Natal.

Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido muito tênue boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade. E o peru estava tão gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar mesmo digno do Jesusinho nascido.

Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem do papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora.

 – Só falta seu pai…

 – É mesmo…  Mas papai, que queria tanto bem a gente, morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente… (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em família.

E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma estrelinha brilhante no céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre se sacrificara tanto por nós, fora um santo que “vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a seu pai”, um santo. Papai virara santo, uma contemplação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu. Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contemplação suave.

O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso.

Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade…”.

Telma

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Natal

 Com a aproximação cada vez mais rápida da chegada do Natal, lembramos de um conto belíssimo  de Lygia Fagundes Telles que merece ser lido.

Sabemos que alguns leitores podem não dar importância especial à data, mas somos da opinião no sentido de que é impossível ficar imune a tal festividade. Assim, nada como entrar no clima! A partir de hoje, portanto, postaremos poemas, trechos de livros, contos e dicas de leitura referentes a essa data que é mundialmente festejada. Boa leitura e Feliz Natal a todos!

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Natal na Barca:

“Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o. rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

– Tão gelada – estranhei, enxugando a mão.

– Mas de manhã é quente.

Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

– De manhã esse rio é quente – insistiu ela, me encarando.

– Quente?

– Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

– Mas a senhora mora aqui perto?

– Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era sereno.

– Seu filho?

– É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem mas piorou de repente. Uma febre, só febre… Mas Deus não vai me abandonar.

– É o caçula?

Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o olhar tinha a expressão doce.

– É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

Joguei o cigarro na direção do rio e o toco bateu na grade, voltou e veio rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

– E esse? Que idade tem?

– Vai completar um ano. – E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: – Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… A última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não tinha forças para rompê-los.

– Seu marido está à sua espera?

– Meu marido me abandonou.

Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta porque agora não podia mais parar, ah! aquele sistema dos vasos comunicantes.

– Há muito tempo? Que seu marido…

– Faz uns seis meses. Vivíamos tão bem, mas tão bem. Foi quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, me falou nela fazendo uma brincadeira, a Bila enfeiou, sabe que de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito? Não tocou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me deu um adeus através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

Olhei as nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma certa irritação me fez andar.

– A senhora é conformada.

– Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou.

– Deus – repeti vagamente.

– A senhora não acredita em Deus?

– Acredito – murmurei. E ao ouvir o som débil da minha afirmativa, sem saber por quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela segurança, daquela calma. Era a tal fé que removia montanhas…

Ela mudou a posição da criança, passando-a do ombro direito para o esquerdo. E começou com voz quente de paixão:

– Foi logo depois da morte do meu menino. Acordei uma noite tão desesperada que saí pela rua afora, enfiei um casaco e saí descalça e chorando feito louca, chamando por ele! Sentei num banco do jardim onde toda tarde ele ia brincar. E fiquei pedindo, pedindo com tamanha força, que ele, que gostava tanto de mágica, fizesse essa mágica de me aparecer só mais uma vez, não precisava ficar, se mostrasse só um instante, ao menos mais uma vez, só mais uma! Quando fiquei sem lágrimas, encostei a cabeça no banco e não sei como dormi. Então sonhei e no sonho Deus me apareceu, quer dizer, senti que ele pegava na minha mão com sua mão de luz. E vi o meu menino brincando com o Menino Jesus no jardim do Paraíso. Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo ao meu encontro e me beijou tanto, tanto… Era tamanha sua alegria que acordei rindo também, com o sol batendo em mim.

Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer alguma coisa, levantei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para dominar o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-o contra o peito. Mas ele estava morto.

Debrucei-me na grade da barca e respirei penosamente: era como se estivesse mergulhada até o pescoço naquela água. Senti que a mulher se agitou atrás de mim

– Estamos chegando – anunciou.

Apanhei depressa minha pasta. O importante agora era sair, fugir antes que ela descobrisse, correr para longe daquele horror. Diminuindo a marcha, a barca fazia uma larga curva antes de atracar. O bilheteiro apareceu e pôs-se a sacudir o velho que dormia:

– Chegamos!… Ei! chegamos!

Aproximei-me evitando encará-la.

– Acho melhor nos despedirmos aqui – disse atropeladamente, estendendo a mão.

Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez um movimento como se fosse apanhar a sacola. Ajudei-a, mas ao invés de apanhar a sacola que lhe estendi, antes mesmo que eu pudesse impedi-lo, afastou o xale que cobria a cabeça do filho.

– Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre.

– Acordou?!

Ela sorriu:

– Veja…

Inclinei-me. A criança abrira os olhos – aqueles olhos que eu vira cerrados tão definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem conseguir falar.

– Então, bom Natal! – disse ela, enfiando a sacola no braço.

Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar até que ela desapareceu na noite.

Conduzido pelo bilheteiro, o velho passou por mim retomando seu afetuoso diálogo com o vizinho invisível. Saí por último da barca. Duas vezes voltei-me ainda para ver o rio. E pude imaginá-lo como seria de manhã cedo: verde e quente. Verde e quente”. (Natal na Barca – conto do livro Antes do Baile Verde – Lygia Fagundes Telles)

 O texto de Lygia deixa a dúvida se foi a força da fé que realmente operou um milagre ou se a narradora cometeu um engano ao concluir que a criança estava morta.  Mas não seria o dia do Natal o momento mais propício para se alcançar um milagre? Interpretem como quiserem. O que importa é que neste conto a autora consegue, como sempre, usar o componente emocional e comover o leitor.

Karina

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5 coisas…

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QUERO APENAS CINCO COISAS

“Quero apenas cinco coisas….
Primeiro o amor sem fim….
A segunda ver o outono….
A terceira o grave inverno….
Em quarto lugar o verão…..
A quinta coisa são teus olhos….
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser… sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que
continues me olhando”.

Belo poema de Pablo Neruda para  inspirar os apaixonados…

Karina

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Olavo Bilac romântico

Já dedicamos espaço neste blog ao grande poeta Olavo Bilac e, como dissemos, foi ele um escritor da escola parnasiana da literatura brasileira.

Os poetas parnasianos eram também chamados de “impassíveis”, pois suas poesias cultuavam a forma perfeita e a objetividade, passando longe do romantismo. Mas, Bilac foi diferente: imprimiu emoção em seus poemas tecnicamente perfeitos em rima e métrica…

O próprio escritor afirmou não ser concebível um poeta “impassível”. Segundo ele mesmo observou “uma estátua, quando é verdadeiramente bela, tem sangue e nervos.”

Olavo Bilac tinha sangue, nervos, coração e muito talento. Vejam:

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Via láctea:

Soneto XIII

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!” Eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto

A via láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Karina

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Vamos embora para Pasárgada?

Manuel Bandeira já foi objeto de um post neste blog. E certamente renderá outros tantos,  já que se trata de um gênio imortal que nos legou um sem número de maravilhas.

Colocaremos hoje o poema do escritor pernambucano “Vou-me embora pra Pasárgada”. Como em toda poesia, seu conteúdo pode ser interpretado de várias maneiras, ao gosto do leitor.  Todavia, a interpretação de que mais gostamos é a de que Pasárgada é o lugar onde as coisas boas acontecem.  Se sua vida vai mal, os problemas se amontoam, os desejos não se concretizam, há um lugar especial onde tudo pode dar certo: Pasárgada. Lá, reina a magia e a esperança de que uma vida melhor é possível.

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E então, vamos embora para Pasárgada?

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Monateri em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe d´água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

 – Lá sou amigo do rei –

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Telma

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