Posts tagged Clarice Lispector

Clarice…

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“O que eu sinto eu não ajo.

O que ajo não penso.

O que penso não sinto.

Do que sei sou ignorante.

Do que sinto não ignoro.

Não me entendo

E ajo como se

Me entendesse.”

 

(Clarice Lispector in A descoberta do mundo)

Karina

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Por não estarem distraídos

Por Não Estarem Distraídos

 

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

 

(Clarice Lispector)

 

 

Karina

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Se você fosse você, o que faria?

Crônica genial de Clarice Lispector, extraído do livro Aprendendo a Viver – Editora Rocco:

Se eu fosse eu

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Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase “se eu fosse eu”, que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.

E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.

“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais”.

 

Karina

 

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Clarice

… Então a borboleta

abre lentamente

suas asas sobre a folha

E sai a borboletear feito

uma doidinha

levíssima e alegríssima.

Sua vida é breve, mas intensa….

 

(Clarice Lispector)

Karina

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Frase da semana

“A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar

duram uma eternidade.

A vida não é de se brincar

porque um belo dia se morre.”

(Clarice Lispector)

Karina

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Clarice Lispector

Clarice Lispector, profunda conhecedora do ser humano, não poderia ficar de fora da homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Ela consegue traduzir sentimentos em palavras de maneira ímpar. A seguir, mais três micro crônicas extraídas do genial título “A Descoberta do Mundo”. Clarice é um exemplo eterno da mulher enquanto ser pensante. Apreciem!

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“Em busca do outro

Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei ardentemente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido o Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.”

“A Proteção Pungente

Ela não podia olhar para seu pai quando ele tinha uma alegria. Porque ele, o forte e amargo, ficava nessas horas todo inocente. E tão desarmado. Oh, Deus, ele esquecia que era mortal. E obrigava a ela, uma criança, a arcar com o peso da responsabilidade de saber que os nossos prazeres mais ingênuos e mais animais também morrem. Nesses instantes em que ele esquecia que ia morrer, ele a tornava a Pietá, a mãe do homem.”

“Dez anos

 – Amanhã faço dez anos. Vou aproveitar bem este meu último dia de nove anos.

Pausa, tristeza.

 – Mamãe, minha alma não tem dez anos.

 – Quanto tem?

 – Acho que só uns oito.

 – Não faz mal, é assim mesmo.

 – Mas eu acho que se deviam contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com 20 anos de alma. E o cara tinha morrido era com 70 anos de corpo.

Mais tarde começou a cantar, interrompeu-se e disse:

 – Estou cantando em minha homenagem. Mas, mamãe, eu não aproveitei bem meus dez anos de vida.

 – Aproveitou muito bem.

 – Não, não quero dizer aproveitar fazendo coisas, fazendo isso e fazendo aquilo. Quero dizer que não fui contente o suficiente. O que é? Você ficou triste?

 – Não. Vem cá para eu te beijar.

 – Viu? Eu não disse que você ficou triste?! Viu quantas vezes me beijou? Quando uma pessoa beija tanto a outra é porque está triste.”

Telma

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Frase da Semana

“Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota.

Sem nenhum medo. Não mata.”

(Clarice Lispector)

Karina

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Amar os outros

“Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.”

Clarice Lispector

Karina

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Segunda-feira com Clarice Lispector

A SOLUÇÃO

Chamava-se Almira e engordara demais. Alice era a sua maior amiga. Pelo menos era o que dizia a todos com aflição, querendo compensar com a própria veemência a falta de amizade que a outra lhe dedicava.
Alice era pensativa e sorria sem ouvi-la, continuando a bater a máquina.
À medida que a amizade de Alice não existia, a amizade de Almira mais crescia.
Alice era de rosto oval e aveludado. O nariz de Almira brilhava sempre. Havia no rosto de Almira uma avidez que nunca lhe ocorrera disfarçar: a mesma que tinha por comida, seu contato mais direto com o mundo.
Por que Alice tolerava Almira, ninguém entendia. Ambas eram datilógrafas e colegas, o que não explicava. Ambas lanchavam juntas, o que não explicava. Saíam do escritório à mesma hora e esperavam condução na mesma fila. Almira sempre pajeando Alice. Esta, distante e sonhadora, deixando-se adorar. Alice era pequena e delicada. Almira tinha o rosto muito largo, amarelado e brilhante: com ela o batom não durava nos lábios, ela era das que comem o batom sem querer.
Gostei tanto do programa da Rádio Ministério da Educação, dizia Almira procurando de algum modo agradar. Mas Alice recebia tudo como se lhe fosse devido, inclusive a ópera do Ministério da Educação.
Só a natureza de Almira era delicada. Com todo aquele corpanzil, podia perder uma noite de sono por ter dito uma palavra menos bem dita. E um pedaço de chocolate podia de repente ficar-lhe amargo na boca ao pensamento de que fora injusta. O que nunca lhe faltava era chocolate na bolsa, e sustos pelo que pudesse ter feito. Não por bondade. Eram talvez nervos frouxos num corpo frouxo.
Na manhã do dia em que aconteceu, Almira saiu para o trabalho correndo, ainda mastigando um pedaço de pão. Quando chegou ao escritório, olhou para a mesa de Alice e não a viu. Uma hora depois esta aparecia de olhos vermelhos. Não quis explicar nem respondeu às perguntas nervosas de Almira. Almira quase chorava sobre a máquina.
Afinal, na hora do almoço, implorou a Alice que aceitasse almoçarem juntas, ela pagaria.
Foi exatamente durante o almoço que se deu o fato.
Almira continuava a querer saber por que Alice viera atrasada e de olhos vermelhos. Abatida, Alice mal respondia. Almira comia com avidez e insistia com os olhos cheios de lágrimas.
— Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva. Você não pode me deixar em paz?
Almira engasgou-se com a comida, quis falar, começou a gaguejar. Dos lábios macios de Alice haviam saído palavras que não conseguiam descer com a comida pela garganta de Almira G. de Almeida.
— Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo Alice. Quer saber o que houve, não é? Pois vou lhe contar, sua chata: é que Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai mais voltar! Agora está contente, sua gorda?
Na verdade Almira parecia ter engordado mais nos últimos momentos, e com comida ainda parada na boca.
Foi então que Almira começou a despertar. E, como se fosse uma magra, pegou o garfo e enfiou-o no pescoço de Alice. O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou-se como uma só pessoa. Mas a gorda, mesmo depois de feito o gesto, continuou sentada olhando para o chão, sem ao menos olhar o sangue da outra.
Alice foi ao Pronto-Socorro, de onde saiu com curativos e os olhos ainda arregalados de espanto. Almira foi presa em flagrante.
Algumas pessoas observadoras disseram que naquela amizade bem que havia dente-de-coelho. Outras, amigas da família, contaram que a avó de Almira, dona Altamiranda, fora mulher muito esquisita. Ninguém se lembrou de que os elefantes, de acordo com os estudiosos do assunto, são criaturas extremamente sensíveis, mesmo nas grossas patas.
Na prisão Almira comportou-se com docilidade e alegria, talvez melancólica, mas alegria mesmo. Fazia graças para as companheiras. Finalmente tinha companheiras. Ficou encarregada da roupa suja, e dava-se muito bem com as guardiãs, que vez por outra lhe arranjavam uma barra de chocolate. Exatamente como para um elefante no circo.

(do livro de contos A Legião Estrangeira)

Karina

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Frase da Semana

“Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.”
(Clarice Lispector em A Hora da Estrela)

Karina

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