Archive for novembro, 2010

Reflexão

Trazemos hoje uma reflexão do saudoso escritor José Saramago sobre o ser humano. A opinião do autor português infelizmente se encaixa no que vemos acontecer todos os dias no mundo:

“Ou a razão, no homem, não faz mais do que dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também indubitavelmente, o mais irracional de todos eles. Vou-me inclinando cada vez mais para a segunda hipótese, não por ser morbidamente propenso a filósofos pessimistas, mas sim porque o espectáculo do mundo é, na minha fraca opinião, uma demonstração explícita e evidente daquilo a que chamo de irracionalidade humana.”

(texto extraído do site http://caderno.josesaramago.org/)

Karina

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Vagabundo?

O soneto abaixo, de autoria da escritora Amélia Rodrigues, reflete bem a situação de muitas crianças e jovens que, ante sua situação de penúria e da falta de estrutura familiar, acabam enveredando para o mundo do crime. Problema social que acabou se tornando uma das grandes preocupações da segurança pública. Para refletir.

O vagabundo

O dia inteiro pelas ruas anda
Enxovalhado, roto indiferente:
Mãos aos bolsos olhar impertinente,
Um machucado chapeuzinho a banda.

Cigarro à boca, modos de quem manda,
Um dandy de misérias alegremente,
A procurar ocasião somente
Em que as tendências bélicas expanda
E tem doze anos só! Uma corola
De flor mal desabrochada! Ao desditoso
Quem faz a grande, e peregrina esmola
De arranca-lo a esse trilho perigoso,
De atirá-lo p’ra os bancos de uma escola?!
Do vagabundo faz-se o criminoso!…

Telma

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A Morte e o Amor

A Morte e o Amor

Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Porque nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo ‘clima’, certa ‘preparação’. Certa ‘grandeza’. Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo ‘eterno’) cotidiano. A morte de alguém conhecido e/ou amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Porque o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma, dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor também é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.

Caio Fernando Abreu

Karina

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Lygia Fagundes Telles, ao acaso

Para ilustrar o post de hoje abri ao acaso o livro “A Disciplina do Amor” da Lygia e eis aqui o texto, cheio de profundidade:

Enquanto se vai viver


Por que a morte me estarrece assim, como se fosse a primeira vez, como se nunca antes? A rara morte,  três ou quatro. Com as outras, tudo normal ou quase: o choque. A introspecção com uma consolação filosofante. O apego maior a Deus. A cristalização da dor, pequenas pedras que vou guardando na minha mesa,  de vez em quando tomo uma,  sinto-lhe a forma, o calor, aperto-a com força na gruta da mão. Devolvo-a a seu lugar. Mas essas três ou quatro mortes que me arremeteram à infância, a certas noites de tamanha fragilidade. Tamanho medo, como se não fosse amanhecer mais.

A memória se abre na mesa, baralho de cartas marcadas, escolho uma assim ao acaso. Este é um jantar na casa dos B.M., foi em 43? Ou em 44? Não importa. E.V. chega com uma capa de chuva, cachecol azul-marinho e chapéu desabado, faz frio. Chegam alguns colegas da faculdade, alguém me entrega um violão, toco mal, mas o que é bem ou mal nessa idade? O calor do vinho, o calor da glória que vinha dele, tudo era importante, ah! Que emoção quando cantamos a cantiga da Academia, os versos se referiam à guerra:  Quando se sente bater/No peito heróica pancada/Deixa-se a folha dobrada/Enquanto se vai morrer.

E.V. faz perguntas sobre a participação dos estudantes na Força Expedicionária: sim, vários dos nossos já tinham partido, estavam lutando na Itália. Um poeta se levanta e a voz embargada fala do amor e da morte enquanto, emocionadíssima, eu faço no violão um grave fundo musical. E.V. elogiou o poema, elogiou meu violão mas reagiu na hora:  éramos tão jovens, que conversa era essa de desencanto, de pessimismo, que horror! estávamos mais intoxicados do que os românticos do romantismo. “Vocês ainda vão ver tanta coisa, meninos, vão viver tanto e viver é tão bom. Tebas não tem uma porta, mas mil e nessa idade estão todas abertas!”

Fiquei olhando  meu copo: através do cristal a vida ficava tão transparente.

Karina

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