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Baudelaire e a dor

Dá um tempo, ó minha dor, controla tua agressividade.

Tu querias a noite; Aí está; ela vem descendo;

Uma atmosfera sombria já envolve quase toda a cidade,

Uns encontram a paz; outros seguem padecendo.

Enquanto dos mortais a multidão vil,

Sob o chicote do prazer, esse impiedoso carrasco,

Vai colhendo remorsos na festa servil,

Minha dor, me dá a mão, vamos por aqui, sem asco,

Ver, longe deles, debruçaram-se os anos defuntos,

Sobre os balcões do céu, usando velhos conjuntos;

Emergir a saudade, do fundo das águas, sorridente;

O sol moribundo adormecer atrás da arcada mansa,

E, como uma longa mortalha arrastando-se no Oriente,

Ouve, minha cara, ouve a doce noite que avança.

(Charles Baudelaire in Les Fleurs du Mal)

Karina

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Sexta-feira com Baudelaire

Mais um belo poema do grande poeta francês Charles Baudelaire:

As Jóias

A amada estava nua e, por ser eu seu amante,

Das jóias só guardara as que o bulício inquieta,

Cujo rico esplendor lhe dava esse ar triunfante

Que em seus dias de glória a escrava moura afeta.

/

Quando ela dança e entorna um timbre acre e sonoro,

Este universo mineral que à luz figura

Ao êxtase me leva, e é com furor que adoro

As coisas em que o som ao fogo se mistura.

/

Ela estava deitada e se deixava amar,

E do alto do divã, imersa em paz, sorria

A meu amor profundo e doce como o mar,

Que ao corpo, como à escarpa, em ondas lhe subia.

/

O olhar cravado em mim, como um tigre abatido,

Com ar vago e distante ela ensaiava poses,

E o lúbrico fervor à candidez unido

Punha-lhe um novo encanto às cruéis metamorfoses.

/

E sua perna e o braço, a coxa e os rins, untados

Como de óleo, imitar de um cisne a fluida linha,

Passavam diante de meus olhos sossegados;

E o ventre e os seios, como cachos de uma vinha,

/

Se aproximavam, mais sutis que Anjos do Mal,

Para agitar minha alma enfim posta em repouso,

Ou arrancá-la então a rocha de cristal

Onde, calma e sozinha, ela encontra pouso.

/

Como se a luz de um novo esboço, unidade eu via

De Antíope a cintura a um busto adolescente,

De tal modo que os quadris moldavam-lhe a bacia.

E a maquilagem lhe era esplêndida e luzente!

/

– E estando a lamparina agora agonizante,

Como na alcova houvesse a luz só da lareira

Toda vez que emitia um suspiro faiscante,

Inundava de sangue essa pele trigueira.

Karina

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A Música

Reproduzimos abaixo mais um poema retirado do livro As Flores do Mal, do escritor francês  Charles Baudelaire.

Muitas pessoas não apreciam o  poeta em razão de sua poesia inquietante  e pesada. Nós, no entanto,  insistiremos em colocar de vez em quando textos de Baudelaire aqui no blog, pois achamos que o escritor marcou a literatura ocidental com poemas que revelam as profundezas da alma humana.

A MÚSICA

ocean

A música me arrasta às vezes como o mar!

No encalço de um astro,

Sob um teto de bruma ou dissolvido no ar,

Iço a vela ao mastro;


O peito para frente e os pulmões enfunados

Tal qual uma tela,

Escalo o dorso aos vagalhões entrelaçados

Que a noite me vela;


Sinto que em mim ecoam todas as paixões

De um navio aflito;

O vento, a tempestade e suas convulsões


No abismo infinito

Me embalam. Ou então, mar calmo, espelho austero

De meu desespero!

Karina

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Baudelaire e os felinos

Baudelaire era mesmo um admirador dos felinos, tendo dedicado a eles diversos fragmentos e poesias, todos exaltando os seus atributos. Trazemos hoje mais um belo poema extraído do livro As Flores do Mal em homenagem aos gatos.

Vejam:

gato

O GATO

I

Dentro em meu cérebro vai e vem

Como se a sua casa fosse

Um belo gato, forte e doce.

Quando ele mia, mal a quem


Lhe ouça o fugaz timbre discreto;

Seja serena ou iracunda,

Soa-lhe a voz rica e profunda.

Eis seu encanto mais secreto.


Essa voz que se infiltra e afina

Em meu recesso mais umbroso

Me enche qual verso numeroso

E como um filtro me ilumina.


Os piores males ele embala

E os êxtases todos oferta;

Para enunciar a frase certa,

Não é com palavras que fala.


Não, não existe arco que morda

Meu coração, nobre instrumento,

Ou faça com tal sentimento

Vibrar-lhe a mais sensível corda


Que a tua voz, ó misterioso

Gato de místico veludo,

Em que, como um anjo, tudo

É tão sutil quanto gracioso!


II

De seu pêlo louro e tostado

Um perfume tão doce flui

Que uma noite, ao mima-lo, fui

Por seu aroma embalsamado.


É a alma familiar da morada;

Ele julga, inspira, demarca

Tudo o que seu império abarca;

Será um deus, será uma fada?


Se neste gato que me é caro,

Como por ímãs atraídos,

Os olhos ponho comovidos

E ali comigo me deparo,


Vejo aturdido a luz que lhe arde

Nas pálidas pupilas ralas,

Claros faróis, vivas opalas,

Que me contemplam sem alarde.

Karina

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Mais Baudelaire

Como já dissemos aqui no blog, o escritor francês Charles Baudelaire foi amplamente censurado na ocasião em que divulgou a sua obra mais famosa – “As Flores do Mal”. O livro, de fato, só foi publicado na íntegra após a morte do poeta.

O poema trazido abaixo foi um dos quais  Baudelaire  teve que retirar do livro em decorrência de ordem judicial e se refere, segundo estudiosos, a uma animadora parisiense de nome Apollonia Sabatier, que inclusive teria tido um caso com o poeta.

Vejam o estilo ousado e violento do escritor francês que mostrou o lado podre e miserável da sociedade parisiense  e aguardem novos posts sobre a sua obra:

left_roses

A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE


Teu ar, teu gesto, tua fronte

São belos qual bela paisagem;

O riso brinca em tua imagem

Qual vento fresco no horizonte.


A mágoa que te roça os passos

Sucumbe à tua mocidade,

À tua flama, à claridade

Dos teus ombros e dos teus braços.


As fulgurantes, vivas cores

De tua vestes indiscretas

Lançam no espírito dos poetas

A imagem de um balé de flores.


Tais vestes loucas são o emblema

De teu espírito travesso;

Ó louca por quem enlouqueço,

Te odeio e te amo, eis meu dilema!


Certa vez, num belo jardim,

Ao arrastar minha atonia,

Senti, como cruel ironia,

O sol erguer-se contra mim;


E humilhado pela beleza

Da primavera ébria de cor,

Ali castiguei numa flor

A insolência da Natureza.


Assim eu quisera uma noite,

Quando a hora da volúpia soa,

Às frondes de tua pessoa

Subir, tendo à mão um açoite,


Punir-te a carne embevecida,

Magoar o teu peito perdoado

E abrir em teu flanco assustado

Uma larga e funda ferida,


E, como êxtase supremo,

Por entre esses lábios frementes,

Mais deslumbrantes, mais ridentes,

Infundir-te, irmã, meu veneno!


Karina

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“O Gato”, por Charles Baudelaire

Mais um poema pertencente ao grande livro “As Flores do Mal”.  Baudelaire, assim como muitos escritores, evoca a enigmática e fascinante figura do gato.

Vejam:

cat

O GATO

Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço;

Guarda essas garras devagar,

E nos teus belos olhos de ágata e aço

Deixa-me aos poucos mergulhar.


Quando meus dedos cobrem de carícias

Tua cabeça e dócil torso,

E minha mão se embriaga nas delícias

De afagar-te o elétrico dorso,


Em sonho a vejo. Seu olhar, profundo

Como o teu, amável felino,

Qual dardo dilacera e fere fundo,


E, dos pés a cabeça, um fino

Ar sutil, um perfume que envenena

Envolve-lhe a carne morena.


Karina

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Hino à Beleza, por Charles Baudelaire

Les_Fleurs_du_Mal_w (a tela acima veio daqui: http://spaceintext.wordpress.com/2010/04/10/the-flowers-of-evil-baudelaire/)

Charles Baudelaire – considerado um dos maiores poetas franceses de todos os tempos- nasceu em 1821 em Paris e a sua obra influenciou a poesia moderna do século XX. O reconhecimento absoluto do talento de Baudelaire, no entanto, se deu somente após a sua morte em 1867. O escritor, “avançado” para a época, teve que lidar com críticas e hostilidades durante toda a sua carreira.
O poema reproduzido abaixo pertence ao livro “As Flores do Mal” (Les Fleurs du Mal), publicado em 1857. A obra causou grande polêmica na França, tendo sido apreendida na época pelas autoridades francesas, que a consideraram imoral. O livro contém cerca de cem poemas e é marcado pelo tom sombrio, com textos que trazem como tema a luxúria, a morte, a volúpia, a imundície etc.
“As Flores do Mal” só voltou a circular na íntegra após a morte do poeta.
Charles Baudelaire introduziu inovações na poesia ao misturar elementos sublimes e grotescos em seus textos. Os críticos literários consideram “As Flores do Mal” uma obra-prima e leitura obrigatória.
Carlos Drummond de Andrade, em seu livro “O Sentimento do Mundo” aconselha: “é preciso ler Baudelaire/ é preciso colher as flores/ de que falam velhos autores.”
Nada mais é preciso dizer. Vamos a Charles Baudelaire:

HINO À BELEZA

Vens tu do céu profundo ou sais do precipício,
Beleza? Teu olhar, divino mas daninho,
Confusamente verte o bem e o malefício,
E pode-se por isso comparar-te ao vinho.

Em teus olhos refletes toda a luz diuturna;
Lanças perfumes como a noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca uma urna
Que torna o herói covarde e a criança corajosa.

Provéns do negro abismo ou da esfera infinita?
Como um cão te acompanha a Fortuna encantada;
Semeias ao acaso a alegria e a desdita
E altiva segues sem jamais responder nada.

Calcando mortos vais, Beleza, a escarnece-los;
Em teu escrínio o Horror é a jóia que cintila,
E o Crime, esse berloque que te aguça os zelos,
Sobre teu ventre em amorosa dança oscila.

A mariposa voa ao teu encontro, ó vela,
Freme, inflama-se e diz: “Ó clarão abençoado!”
O arfante namorado aos pés de sua bela
Recorda um moribundo ao túmulo abraçado.

Que venhas lá do céu ou do inferno, que importa,
Beleza! Ó monstro ingênuo, gigantesco e horrendo!
Se teu olhar, teu riso, teus pés me abrem a porta
De um infinito que amo e que jamais desvendo?

De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Que importa, se é quem fazes – fada de olhos suaves,
Ó rainha de luz, perfume e ritmo cheia! –
Mais humano o universo e as horas menos graves?

Karina

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