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Ausência

Guimarães Rosa não era um gênio só na prosa, na poesia também. Vejam:

Ausência

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Na almofada branca

as sandálias sonham

com a seda dos teus pés…

 

Partiste…

Mas a alegria ainda ficou no quarto,

talvez no ninho morno, calcado por teu corpo

no leito desfeito…

 

Entardece…

Esfuziante e verde,

um beija-flor entrou pela janela,

(pensei que a tua boca ainda estivesse aqui…)

 

Do frasco aberto,

vestidas de vespas,

voam violetas…

 

E na almofada de seda

beijo as sandálias brancas,

vazias dos teus pés.

Karina

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Carta a um refém

A obra Cartas Do Pequeno Príncipe é uma compilação de vários escritos de Antoine Saint Exupéry.  Em Carta a Um Refém, de 1943, o autor nos revela todo seu amor à França e também à humanidade como um todo. O contexto histórico é o da Segunda Guerra Mundial, em que a França encontrava-se ocupada pelos alemães  e o autor passa a discorrer sobre pensamentos e emoções ligados à ideologia política, esperança, patriotismo, exílio, saudade e sofrimento. Abaixo, seguem alguns trechos. Vale a pena!

“… Conheci, vocês talvez conheceram, essas famílias um pouco estranhas que conservavam à mesa o lugar de um morto. Negavam o irreparável. Mas esse desafio nunca pareceu consolador. Dos mortos devemos fazer mortos. Porque então eles reencontram, em seu papel de mortos, uma outra forma de presença. Mas aquelas famílias impediam a volta deles. Faziam deles ausentes eternos, convivas atrasados por toda a eternidade. Trocavam o luto por uma espera sem sentido. E essas casas me pareciam mergulhadas em uma inquietude irremediável, muito mais dolorosa que a tristeza. Do piloto Guillaumet, o último amigo que perdi e que desapareceu no serviço postal aéreo, meu Deus!, aceitei a morte. Guillaumet não mudará mais. Nunca mais estará presente, mas também nunca mais estará ausente. Desapareceu o lugar dele à minha mesa, esse ardil inútil, e fiz dele um verdadeiro amigo morto.

… Eu encontrava no navio os meus refugiados. Esse navio emanava também uma leve angústia. Esse navio transportava, de um continente a outro, aquelas plantas sem raízes. Eu dizia a mim mesmo: “Quero ser um viajante, não um emigrante. Aprendi tantas coisas em minha pátria que serão inúteis em outros lugares”. Mas eis que meus imigrantes tiravam do bolso a pequena caderneta de endereços, os restos de sua identidade. Fingiam ainda ser alguém. Agarravam-se com todas as forças a alguma significação. “Sabem, eu sou fulano de tal, diziam eles… sou de tal cidade… amigo de sicrano… conhecem sicrano?”

E contavam a história de um companheiro, ou a história de uma responsabilidade, ou a história de um erro, ou qualquer outra história que os pudesse ligar a qualquer coisa. Mas nada desse passado lhes ia servir mais, desde que se exilaram.

… A França, sem dúvida,  era para mim não uma deusa abstrata, não um conceito de historiador, mas uma carne de que eu dependia, uma rede de liames que me regia, um conjunto de pólos que apoiavam os declives do meu coração.  Eu experimentava a necessidade de sentir mais sólidos e mais duráveis que eu mesmo os de que necessitava para orientar-me. A fim de saber para onde voltar. A fim de existir.

… Foi num dia antes da guerra, nas margens do saonde, no caminho de Tournus. Nós tínhamos escolhido, para almoçar, um restaurante cujo balcão de pranchas se erguia por sobre o rio. Debruçados em uma mesa simples, cheia de nomes gravados a faca pelos clientes, tínhamos pedido dois Pernod. Seu médico lhe proibia o álcool, mas você desobedecia nas grandes ocasiões. Aquela era uma delas. O que nos alegrava era mais impalpável que a qualidade da luz. Você tinha, pois, escolhido esse Pernod das grandes ocasiões. E como dois marinheiros,  a dois passos de nós, descarregavam um barco, convidamos os marinheiros. Chamamo-los do alto do balcão. E eles vieram. Simplesmente vieram. Tínhamos achado tão natural convidar companheiros, talvez por causa daquela invisível festa em nós. Era evidente que eles responderiam ao sinal. E então nós brindamos!

O sol estava agradável.  Seus raios tépidos banhavam as árvores da outra margem e a planície até o horizonte. Estávamos cada vez mais alegres, sempre sem saber por quê. Sentíamo-nos seguros porque o sol iluminava bem, porque o rio corria, a refeição era a refeição, os marinheiros tinham respondido ao chamado, a criada nos servia com uma espécie de gentileza feliz, como se presidisse uma festa eterna. Estávamos inteiramente em paz, bem integrados ao abrigo da desordem em sua civilização definitiva. Gozávamos de uma espécie de estado perfeito em que, satisfeitos todos os desejos, nada mais tínhamos a confiar-nos. Sentíamo-nos puros, direitos, luminosos, indulgentes. Não saberíamos dizer que verdade nos aparecia em sua evidência. Mas o sentimento que nos dominava era bem o da segurança. De uma segurança quase orgulhosa.

Desse modo o universo, através de nós, demonstrava sua boa vontade. A condenação das nebulosas, o endurecimento dos planetas, a formação das primeiras amebas, o trabalho gigantesco da vida que caminhou da ameba até o homem, tudo tinha maravilhosamente convergido para chegar, através de nós, àquela qualidade de prazer. Não era nada má, como êxito.

Assim, nós saboreávamos essa compreensão muda e esses ritos quase religiosos. Embalados poelo vavivém da criada sacerdotal, os marinheiros e nós brindávamos como fiéis de uma mesma Igreja, embora não soubéssemos dizer qual. Um dos dois marinheiros era holandês. O outro, alemão. Este tinha outrora fugido do nazismo, pois era perseguido lá como comunista ou como trotskysta, ou como católico, ou como judeu. (Não me lembro mais do rótulo em nome do qual o homem era proscrito). Mas, naquele instante, o marinheiro era uma coisa bem diferente de um rótulo. O conteúdo é que contava. A massa humana. Era um amigo, simplesmente. E estávamos de acordo, entre amigos.

… É uma coisa impressionante a idade de um homem! Resume uma vida inteira. A maturidade que a gente adquire vai-se fazendo lentamente. E se faz contra tantos obstáculos vencidos, contra tantas doenças graves curadas, contra tantos sofrimentos apaziguados,  contra tantos desesperos superados, contra tantos riscos, cuja maior parte escapou à consciência. Faz-se através de tantos desejos, tantas esperanças, tantos remorsos, tantos esquecimentos, tanto amor. A idade de um homem representa uma bela carga de experiências e de lembranças! Apesar das ciladas, dos tropeços, dos desvios, continuamos a avançar, de qualquer jeito, com dificuldade, com uma boa carroça. E agora, graças a uma convergência obstinada de ocorrências felizes, chegamos a determinado ponto. A gente tem trinta e sete anos. E a boa carroça, se Deus quiser, levará ainda mais longe sua carga de lembranças. “

Telma

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Dia Nacional da Poesia

14 de março é o Dia Nacional da Poesia. A data foi escolhida em homenagem ao poeta Castro Alves, nascido em 14 de março de 1847.

Nada mais justo, então, do que deixarmos os leitores com uma poesia de Castro Alves:

Longe de ti

 

 

Quando longe de ti eu vegeto,

Nessas horas de largos instantes,

O ponteiro, que passa os quadrantes,

Marca séculos, se esquece de andar.

Fito o céu — é uma nave sem lâmpada.

Fito a terra — é uma várzea sem flores.

O universo é um abismo de dores,

Se a madona não brilha no altar.

/

Então lembro os momentos passados.

Lembro então tuas frases queridas,

Como o infante que as pedras luzidas

Uma a uma desfia na mão.

Como a virgem que as jóias de noiva

Conta alegre a sorrir de alegria,

Conto os risos que deste-me um dia

E que eu guardo no meu coração.

/

Lembro ainda o lugar onde estavas…

Teu cabelo, teu rir, teu vestido…

De teu lábio o fulgor incendido…

Destas mãos a beleza ideal…

Lembro ainda em teus olhos, querida,

Este olhar de tão lânguido raios,

Este olhar que me mata em desmaios

Doce, terno, amoroso, fatal!…

/

Quando a estrela serena da noite

Vem banhar minha fonte saudosa,

Julgo ver nessa luz misteriosa,

Doce amiga, um carinho dos teus!

E ao silêncio da noite que anseia

De volúpia, de anelos, de vida.

Eu confio o teu nome, querida,

Para as brisas levarem-no aos céus.

/

De ti longe minh’alma vegeta,

Vive só de saudade e lembrança,

Respirando a suave esperança

De viver como escravo a teus pés,

De sonhar teus menores desejos,

De velar em teus sonhos dourados,

“Mais humilde que os servos curvados!

“Inda mais orgulhoso que os reis”!

/

Ó meu Deus! Manda às horas que fujam,

Que deslizem em fio os instantes…

E o ponteiro que passa os quadrantes

Marque a hora em que a posso fitar!

Como Tântalo à sede morria,

Sem achar o conforto preciso…

Morro à míngua, meu Deus, de um sorriso!

Tenho sede, Senhor, de um olhar.

 

Karina

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Frase da Semana

“Saudade é ser, depois de ter.”

(Guimarães Rosa)

Karina

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Da Saudade

Hoje falaremos de um sentimento muito difícil de ser definido: a saudade. Difícil explicar em que consiste, mas quando sentimos saudade, logo identificamos. Mas é apenas a nossa belíssima língua portuguesa que traduz o sentimento de saudade em palavra.

A seguir, trazemos alguns pensamentos e versos sobre esse sentimento, advindos de diversos autores. E o nobre leitor, como conceituaria a saudade?

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“Tudo aumenta, quando visto através da saudade.” (Guiherme de Almeida)


“Saudade: presença dos ausentes.” (Olavo Bilac)


“Quem traz à saudade a alma rendida,

a saudade busca, onde descansa:

mas o descanso dela encurta a vida.” (Luiz Vaz de Camões)


“Quem sofre o mal da saudade,

não acha alívio um momento,

pois tem perto a enfermidade

e longe o medicamento.” (Afonso Celso)


“A casa da Saudade chama-se Memória: é uma cabana pequenina a um canto do coração.” (Coelho Neto)


“Saudade, ó bela flor, quando te faltem

coração ou jardim onde tu cresças,

vem, vem ter comigo.

Deixa os que não te seguem,

terás em peito amigo

lágrimas que te reguem,

espaço em que floresças.” (Gonçalves Dias)


“O perfume da saudade é como o de certas flores que só se percebe, quando de longe o recebemos. Se, iludidos, o tentamos aspirar de perto, dissipa-se.” (Júlio Dinis)


“A palavra saudade é porventura o mais doce, expressivo e delicado termo de nossa língua. A idéia, ou sentimento por ele representado, certo que em todos os países o sentem: mas que haja vocábulo especial para o designar, não o sei de outra nenhuma linguagem senão da portuguesa.” (Almeida Garret)


“A saudade é como o sol do inverno: ilumina sem aquecer.” (Berilo Neves)


“Eis a saudade: mal que é bem, dor que não dói, tristeza que sorri dentro de nós.” (Braz Florenzano Netto)

Telma

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