Archive for dezembro, 2012

Para inventar o mundo cada dia

 

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Conversamos, comemos, fumamos, caminhamos, trabalhamos juntos, maneiras de fazer o amor sem entrar-se, e os corpos vão se chamando enquanto viaja o dia rumo à noite.

Escutamos a passagem do último trem. Badaladas no sino da igreja.. É meia-noite.

Nosso trenzinho próprio desliza e voa, anda que te anda pelos ares e pelos mundos, e depois vem a manhã e o aroma anuncia o café saboroso, fumegante, recém-feito. De sua cara sai uma luz limpa e seu corpo cheira a molhadezas.

Começa o dia.

Contamos as horas que nos separam da noite que vem. Então, faremos o amor, o tristecídio.

 

(Eduardo Galeano in Mulheres)

 

Karina

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Ausência

Guimarães Rosa não era um gênio só na prosa, na poesia também. Vejam:

Ausência

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Na almofada branca

as sandálias sonham

com a seda dos teus pés…

 

Partiste…

Mas a alegria ainda ficou no quarto,

talvez no ninho morno, calcado por teu corpo

no leito desfeito…

 

Entardece…

Esfuziante e verde,

um beija-flor entrou pela janela,

(pensei que a tua boca ainda estivesse aqui…)

 

Do frasco aberto,

vestidas de vespas,

voam violetas…

 

E na almofada de seda

beijo as sandálias brancas,

vazias dos teus pés.

Karina

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Canção, de Emílio Moura

CANÇÃO

 old_rose

Viver não dói. O que dói

é a vida que se não vive.

Tanto mais bela sonhada,

quanto mais triste perdida.

 

Viver não dói. O que dói

é o tempo, essa força onírica

em que se criam os mitos

que o próprio tempo devora.

 

Viver não dói. O que dói

é essa estranha lucidez,

misto de fome e de sede

com que tudo devoramos.

 

Viver não dói. O que dói,

ferindo fundo, ferindo,

é a distância infinita

entre a vida que se pensa

e o pensamento vivido.

 

Que tudo o mais é perdido.

 

(Emílio Moura)

 

 

Nascido em 1901, o mineiro Emílio de Guimarães Moura, fez parte da geração modernista da literatura nacional. Foi jornalista, redator e escritor e nunca saiu de sua cidade natal. Segundo Carlos Drummond de Andrade, amigo pessoal de Emílio, suas poesias poderiam ser resumidas como música de câmara: “Peculiar surdina, íntimo violino, jeito manso de ser”. (fonte: poesia.net)

 

Karina

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e.e. Cummings

Nalgum lugar em que eu nunca estive

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nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além

de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:

no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,

ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

 

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra

embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar

me abres sempre pétala por pétala como a primavera abre

(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa

 

ou se quiseres me ver fechado, eu e

minha vida nos fecharemos belamente, de repente,

assim como o coração desta flor imagina

a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

 

nada que eu possa perceber neste universo iguala

o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura

compele-me com a cor de seus continentes,

restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

 

(não sei dizer o que há em ti que fecha

e abre; só uma parte de mim compreende que a

voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)

ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas

 

(E. E. Cummings, com tradução de Augusto de Campos)

Karina

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Bluebird

Você tem um também?

Pássaro Azul

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há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?

Charles Bukowski

O poeta de origem alemã criado nos Estados Unidos foi um ícone de sua geração. Sua obra foi marcada pelo estilo livre, linguagem muitas vezes obscena e com temas mundanos e simples o tornaram um escritor de imenso sucesso e muito polêmico.

O poema acima é um dos mais notáveis daobra do escritor.

Karina

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