Posts tagged modernismo

Relógio

RELÓGIO

clock

Diante de coisa tão doída

conservemo-nos serenos.

 

Cada minuto de vida

nunca é mais, é sempre menos.

 

Ser é apenas uma face

do não ser, e não do ser.

 

Desde o instante em que se nasce

já se começa a morrer.

 

(Cassiano Ricardo – De Um Dia Depois do Outro)

Cassiano Ricardo nasceu no interior de São Paulo, na cidade de São José dos Campos e fez parte do movimento modernista na literatura brasileira.

Karina

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Murilo Mendes em conta-gotas

O utopista


Ele acredita que o chão é duro

Que todos os homens estão presos

Que há limites para a poesia

Que não há sorrisos nas crianças

Nem amor nas mulheres

Que só de pão vive o homem

Que não há um outro mundo.


A tentação


Diante do crucifixo

Eu paro pálido tremendo

“ Já que és o verdadeiro filho de Deus

Desprega a humanidade desta cruz”.


O mau samaritano


Quantas vezes tenho passado perto de um doente,

Perto de um louco, de um triste, de um miserável,

Sem lhes dar uma palavra de consolo.

Eu bem sei que minha vida é ligada à dos outros,

Que outros precisam de mim que preciso de Deus

Quantas criaturas terão esperado de mim

Apenas um olhar – que eu recusei.

Karina


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Canção do Exílio Moderna

Todos conhecem a famosíssima poesia romântica de Gonçalves Dias, denominada “Canção do Exílio”. Gonçalves Dias foi considerado o maior poeta indianista da literatura brasileira e escreveu a mencionada poesia quando estava longe de sua pátria. Ele cursava Direito em Coimbra e, saudoso do Brasil, resolveu elogiar a natureza de nossa terra.

Pois bem. Na fase literária do Modernismo, já em 1983, o também consagarado poeta Murilo Mendes decidiu reescrever a “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias, sob o ponto de vista dos tempos atuais, com mais críticas e sem o nacionalismo de outrora.

Vejam o resultado:

3Leonardo-Da-Vinci-Mona-Lisa-_La-Gioconda_

Canção do Exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia

Onde cantam gaturamos de Veneza

Os poetas da minha terra

São pretos que vivem em torres de ametista,

os sargentos do exército são monistas, cubistas,

os filósofos são polacos vendendo as prestações.


A gente não pode dormir

com os oradores e os pernilongos.

Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.


Eu morro sufocado

em terra estrangeira.

Nossas flores são mais bonitas

Nossas frutas mais gostosas

mas custam cem mil réis a dúzia


Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade

e ouvir um sabiá com certidão de idade!

Telma

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Manuel Bandeira erótico

Mais uma faceta de Manuel Bandeira: no poema abaixo, integrante do livro A Cinza das Horas, o escritor modernista descreve com maestria o corpo de sua musa…

“Poemeto Erótico

aphrodite

Teu corpo claro e perfeito,

– Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha…

Teu corpo é tudo o que cheira…
Rosa… flor de laranjeira…

Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado…

Teu corpo é pomo doirado…

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume…

Teu corpo é a brasa do lume…

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes…

É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Quem em cantigas se derrama…

Volúpia da água e da chama…

A todo o momento o vejo…
Teu corpo… a única ilha
No oceano do meu desejo…

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira…
Rosa, flor de laranjeira…”

 Karina

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Murilo Mendes

murilo_mendes_2Murilo Monteiro Mendes nasceu na cidade mineira de Juiz de Fora em 13 de maio de 1901 e é um nome notável da literatura modernista brasileira, embora seja muitas vezes injustamente esquecido por parte dos críticos literários.

O poeta compôs desde poemas satíricos e de cunho social até se enveredar na criação de poesias religiosas e místicas.

Sua obra se caracteriza pelo humor e pela ironia usados como forma de crítica, pelo espiritualismo e pela temática social. Os versos são vivos e densos. Embora pertença à escola modernista, nunca seguiu rigidamente o movimento, tendo criado um estilo próprio, que também o aproximou do Surrealismo europeu.

Murilo Mendes mudou-se no ano de 1953 para a Europa, onde ganhou amplo  e merecido reconhecimento. Faleceu em Lisboa no ano de 1975.

A poesia abaixo, integra o livro “Poemas” (de 1930), o qual ganhou o prêmio Graça Aranha:

Cantiga de Malazarte

“Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo”.

“Cantiga de Malazarte” foi  inspirada em Pedro Malazarte ou Pedro Malas Artes, herói do folclore português conhecido por suas trapalhadas e bom coração.  No Brasil, o personagem ganhou as características de astuto e aventureiro.  Destacamos aqui os versos vivos, a forma livre de expressão, as imagens constratantes e a descrição das sensações por meio dos sentidos.

Em breve traremos mais da rica obra de Murilo Mendes.

Karina

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A Arte de Amar, por Manuel Bandeira

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Arte de amar


“Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não”. 

(Antologia Poética – 12ª edição – pg 151 – poema pertencente ao livro Belo Belo)

Karina

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O Bicho, de Manuel Bandeira

O poema abaixo retrata o cotidiano degradante do homem que atingiu o ápice da miséria.

Quem nunca se deparou com uma cena como a descrita no texto de Manuel Bandeira? Lamentavelmente, esses fatos acontecem tão rotineiramente que muitos já nem se importam mais…

poorO Bicho


“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem”.

 Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu em 19 de abril de 1886 em Recife. Em 1903 foi para a cidade de São Paulo a fim de cursar Engenharia na Escola Politécnica. No entanto, em decorrência do acometimento de tuberculose, não pôde concluir o curso. A partir de então, passa por verdadeira peregrinação por diversas cidades e casas de saúde, tendo, inclusive, se mudado por um ano para a Suíça com o intuito de livrar-se da doença. Ao voltar para o Brasil tornou-se inspetor de ensino e depois professor de literatura.

Em 1917 publicou seu primeiro livro – A Cinza das Horas – com características parnasianas e simbolistas. Posteriormente à publicação de seu primeiro livro, o poeta foi se enquadrando no estilo modernista, culminando com a publicação em 1930 da obra Libertinagem, considerada uma das mais importantes da literatura moderna brasileira.

manuel_bandeira

Na obra de Bandeira predominam a liberdade de conteúdo e de forma, o retrato do cotidiano, a sua própria história de vida, o humor,  a indignação com a realidade do homem e a idealização de um mundo mais justo. O autor conseguiu reunir em sua poesia subjetividade e objetividade e o resultado foi perfeito.

Certamente os leitores do nosso blog serão presentados com muitos outros textos do grande Manuel Bandeira. Aguardem.

Karina

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Vidas secas: literatura cheia de vida!

Hoje resolvemos falar um pouco sobre um livro espetacular: Vidas Secas. Trata-se de um romance publicado por Graciliano Ramos em 1938.

Graciliano Ramos foi um dos expoentes do modernismo brasileiro. Nasceu em Quebrangulo, Alagoas, em 27 de outubro de 1892 e faleceu em 20 de março de 1953, no Rio de Janeiro. A crítica literária o considera o maior romancista moderno do Brasil, principalmente por ter explorado com maestria temas fortes como a violência, a morte e a luta pela sobrevivência.

Vidas Secas, esse romance genial enfoca especialmente essa luta pela subsistência quando o ser humano se encontra nas condições mais precárias possíveis. O autor consegue penetrar profundamente no íntimo dos personagens, retratando fielmente os mais variados sentimentos.

Fabiano, o personagem principal do livro, é o típico homem moldado de acordo com o meio em que vive. Socialmente oprimido, muito simplório, de idéias curtas, o protagonista tem dificuldade em se comunicar e se ressente disso. Ora se reconhecendo como homem, ora como “bicho”, o personagem está sempre se sentindo inadequado. Sua ignorância o constrange.

Abaixo, segue um trecho dessa obra-prima. Aproveitem!

“Festa

Fabiano, sinha Vitória e os meninos iam à festa de Natal na cidade. Eram três horas, fazia grande calor, redemoinhos espalhavam por cima das árvores amarelas nuvens de poeira folhas secas.

Fabiano estava silencioso, olhando as imagens e as velas acesas, constrangido na roupa nova, o pescoço esticado, pisando em brasas. A multidão apertava-o mais que a roupa, embaraçava-o. de perneiras, gibão e guarda-peito, andava metido numa caixa, como tatu, mas saltava no lombo de um bicho e voava na catinga. Agora não podia virar-se: mãos e braços roçavam-lhe o corpo. Lembrou-se da surra que levara e da noite passada na cadeia. A sensação que experimentava não diferia muito da que tinha tido ao ser preso. Era como se as mãos e os braços da multidão fossem agarrá-lo, subjugá-lo, espremê-lo num canto de parede. Olhou as caras em redor. Evidentemente as criaturas que se juntavam ali não o viam, mas Fabiano sentia-se rodeado de inimigos, temia envolver-se em questões e acabar mal a noite. Soprava e esforçava-se inutilmente por abanar-se com o chapéu.

Difícil mover-se, estava amarrado. Lentamente conseguiu abrir caminho no povaréu, esgueirou-se até junto da pia de água benta, onde se deteve, receoso de perder de vista a mulher e os filhos. Ergueu-se na ponta dos pés, mas isto lhe arrancou um grunhido: os calcanhares esfolados começavam a afligi-lo. Distinguiu o cocó de sinha Vitória, que se escondia atrás de uma coluna. Provavelmente os meninos estavam com ela. A igreja cada vez mais se enchia. Para avistar a cabeça da mulher, Fabiano precisava estirar-se, voltar o rosto. e o colarinho furava-lhe o pescoço. As botinas e o colarinho eram indispensáveis. Não poderia assistir à novena calçado em alpercatas, a camisa de algodão aberta, mostrando o peito cabeludo. Seria desrespeito. Como tinha religião, entrava na igreja uma vez por ano. E sempre vira, desde que se entendera, roupas de festa assim: calça e paletó engomados, botinas de elástico, chapéu de baeta, colarinho e gravata. Não se arriscaria a prejudicar a tradição, embora sofresse com ela. Supunha cumprir um dever, tentava aprumar-se. Mas a disposição esmorecia: o espinhaço vergava, naturalmente, os braços mexiam-se desengonçados.

Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Fazia-se carrancudo e evitava conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe qualquer coisa. Os negociantes furtavam na medida, no preço e na conta. O patrão realizava com pena e tinta cálculos incompreensíveis. Da última vez que se tinham encontrado houvera uma confusão de números, e Fabiano, com os miolos ardendo, deixara indignado o escritório do branco, certo de que fora enganado. Todos lhe davam prejuízo. Os caixeiros, os comerciantes e o proprietário tiravam-lhe o couro, e os que não tinham negócio com ele riam vendo-o passar nas ruas, tropeçando. Por isso Fabiano desviava daqueles viventes. Sabia que a roupa nova cortada e cosida por sinha Terta, o colarinho, a gravata, as botinas e o chapéu de baeta o tornavam ridículo, mas não queria pensar nisto.”

Telma

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