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O Imponderável, por Fabrício Carpinejar

“O Imponderável”

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Ele não tem amigos. Não tem família. É solitário e ajuda para o bem ou para o mal.

Nunca sei o que pode ocorrer, por mais que tenha antecipado situações.

Já me acostumei com a visita do Imponderável em minha vida.

Ele entra sem permissão, sem licença e muda a ordem dos acontecimentos.

 

Tenho certeza que você também conhece. Ele não deixa nenhum lar desassistido. Não compra ingressos, não paga estacionamento. Para qualquer evento, usa carteiraço. Entra em casamento, em velório, em aniversário com a maior cara de pau.

Quando treinamos a realidade, não programamos a sua presença indiscutível.

É ele que manda e decide. Somos coadjuvantes de seus repentes. Você teve
que lidar com sua invasão fantasmagórica no vestibular quando se sentia afiado
e surgiu o branco, no momento de atravessar uma festa para chamar uma colega para dançar e alguém se antecipa.

O Imponderável tem preferência por quem se prepara antes para algum teste emocional. Sua diversão é destruir nossos roteiros e planejamentos, mostrar que não somos onipotentes, que não tem como cantar vitória no primeiro tempo.

É uma criança grande e desengonçada, com humor sarcástico de um velho ranzinza.

Ele não tem amigos. Não tem família. É solitário e ajuda para o bem ou para o mal.

É como uma versão ateísta do Espírito Santo.

Vou me separar, peço a bênção aos meus amigos, memorizo o que direi, o tom, o encadeamento das explicações, me sinto pronto e indestrutível, mas quando me encontro com a esposa, vem também o Imponderável. Ela está cheirosa, linda, suave, nada raivosa como nos últimos dias, e cedo aos encantos de sua doçura, fico subitamente excitado e acabo me reconciliando de novo.

Vou pedir uma mulher em namoro, depois de dois meses de saídas e flertes. Compro um par de brincos, ensaio o discurso, escolho o restaurante, encaminho champanhe ao gelo, tudo perfeito, até que o Imponderável aparece e ela esbarra em seu ex antes de sentar e eles se abraçam de um jeito sensual e duvidoso que amarga os meus planos. Não digo nada do que sinto e nunca mais nos revemos.

Vou participar de uma entrevista de emprego, é meu grande momento profissional, nasci para fazer aquilo, fui aprovado com alta nota no teste de conhecimentos gerais, agora é questão de um detalhe, só não responder nenhuma doideira e se revelar minimamente equilibrado. Mas, ao entrar na sala do RH, o Imponderável caminha ao meu lado. O entrevistador é um colega da infância, o Bola, meu alvo predileto de bullying.

O Imponderável nos devolve à humildade.

Um amigo morre precocemente. Um divórcio é deflagrado na mais alta alegria. Uma reconciliação entre inimigos mortais é sacramentada do acaso. Tudo tem o dedo do Imponderável. O impossível se transforma em possível, e o possível se torna um fracasso.

O que nos resta é perceber que a vida é muito curta para ter razão, mas vale é ter amor e perder a razão. Aquele que ama improvisa.

(Fabrício Carpinejar, Jornal Zero Hora, 11/02/2014)

 

Fabrício Carpinejar é escritor e poeta, nascido em Caxias do Sul/RS em 23/10/1972. Desde maio de 2011 mantém no Jornal Zero Hora a coluna antes ocupada por Moacyr Scliar. Possui vários livros publicados.

 

Karina

 

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Frase da Semana

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“A vida é um campo de urtigas onde a única rosa é o amor.”

(Guimarães Rosa)

Karina

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Hilda Hist

Alcoólicas (I)

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É crua a vida. Alça de tripa e metal.

 

Nela despenco: pedra mórula ferida.

 

É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.

 

Como-a no livor da língua

 

Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me

 

No estreito-pouco

 

Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida

 

Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.

 

E perambulamos de coturno pela rua

 

Rubras, góticas, altas de corpo e copos.

 

A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.

 

E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima

 

Olho d’água, bebida. A Vida é líquida.

 

Karina

 

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Canção, de Emílio Moura

CANÇÃO

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Viver não dói. O que dói

é a vida que se não vive.

Tanto mais bela sonhada,

quanto mais triste perdida.

 

Viver não dói. O que dói

é o tempo, essa força onírica

em que se criam os mitos

que o próprio tempo devora.

 

Viver não dói. O que dói

é essa estranha lucidez,

misto de fome e de sede

com que tudo devoramos.

 

Viver não dói. O que dói,

ferindo fundo, ferindo,

é a distância infinita

entre a vida que se pensa

e o pensamento vivido.

 

Que tudo o mais é perdido.

 

(Emílio Moura)

 

 

Nascido em 1901, o mineiro Emílio de Guimarães Moura, fez parte da geração modernista da literatura nacional. Foi jornalista, redator e escritor e nunca saiu de sua cidade natal. Segundo Carlos Drummond de Andrade, amigo pessoal de Emílio, suas poesias poderiam ser resumidas como música de câmara: “Peculiar surdina, íntimo violino, jeito manso de ser”. (fonte: poesia.net)

 

Karina

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O Mundo

O mundo

 

Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.

— O mundo é isso — revelou —. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.

Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

Eduardo Galeano

 

 

 

Karina

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Mais Saramago

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:

“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre”.

(José Saramago in Viagem a Portugal)

 

Karina

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Frase da semana

“A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar

duram uma eternidade.

A vida não é de se brincar

porque um belo dia se morre.”

(Clarice Lispector)

Karina

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Frase da Semana

“A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver.”

(José Saramago)

Karina

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A vida é bela!

A canção da vida

A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio…
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí…
como um salso chorando
na beira do rio…
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

Mário Quintana

Karina

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