O escritor francês Victor Hugo é um dos preferidos das autoras deste blog. Não nos cansamos de ler sua obra e seus ensinamentos.
Acabo de ler o livro “Os Trabalhadores do Mar”, com tradução de Machado de Assis. Nem é preciso dizer que Victor Hugo traduzido pelo gênio Machado, é imperdível…
O livro conta a estória do corajoso e íntegro marinheiro Gilliatt, que, tomado de amor pela bela e jovem Déruchette, trava, em um local considerado extremamente perigoso por navegadores de todo o mundo (o escolho Douvres), verdadeira luta contra as poderosas forças da natureza, ao tentar impedir que a máquina essencial de uma embarcação a vapor acabe no fundo do mar.
A narrativa é permeada de detalhes precisos sobre o universo náutico, além de analisar, com sensibilidade e sabedoria, o coração humano, com todas as suas lutas internas, suas esperanças, seus medos e suas paixões.
É uma obra emocionante e belíssima. Um clássico atemporal que não pode deixar de ser lido.
Abaixo alguns trechos do livro para aguçar a vontade dos leitores em ler ou reler essa obra-prima:
“Havia outro banco visível e próximo, no fim de uma alameda. Déruchette assentava-se ali algumas vezes.
Pelas flores que ele via Déruchette colher e cheirar, adivinhou as preferências da moça a respeito de perfumes.
A moça preferia antes de tudo a campânula, depois o cravo, depois a madressilva, depois o jasmim. A rosa estava em quinto lugar. Quanto aos lírios, olhava para eles, mas não os cheirava. A vista da escolha dos perfumes, Gilliatt compunha-a no seu pensamento.”
(…)
“Passaram-se quatro anos.
Déruchette aproximava-se dos 21 anos e conservava-se solteira.
Já alguém escreveu algures: Uma idéia fixa é uma verruma. Vai-se enterrando de ano para ano. Para extirpá-la no primeiro ano é preciso arrancar os cabelos; no segundo rasga-se a pele; no terceiro ano quebra o osso; no quarto saem os miolos. Gilliatt estava no quarto ano.
Não tinha trocado uma só palavra com Déruchette. Pensava nela; era tudo.”
(…)
“Arquitetura que tem terríveis obras-primas. O escolho Douvres era uma delas.
Esse foi construído e aperfeiçoado pelo mar com um amor formidável. Lambia-o a água rabugenta. Era hediondo, pérfido, obscuro; cheio de cavas.
Tinha um sistema de veias que eram fendas submarinas, ramificando- se em profundezas insondáveis. Muitos orifícios desse rasgão inextricável ficavam a seco nas vazantes.
Podia-se entrar, então, com risco.
Gilliatt, pela necessidade do trabalho, teve de explorar todas essas grotas. Nenhuma delas deixava de ser terrível. Em todas as cavas, reproduzia-se, com as dimensões exageradas do oceano, aquele aspecto de matadouro e açougue estranhamente imitado do centro das Douvres. Quem não viu as escavações desse gênero, na parede do eterno granito, esses horríveis frescos da natureza, não pode fazer uma idéia do que é.”
(…)
“Acreditar-se-ia ver torcer-se nessa diafaneidade auroreal pedaços de arco-íris afogados. Em outros lugares havia na água um certo luar. Todos os esplendores pareciam amalgamados ali para fazer um que de cego e de noturno. Nada mais impossível e enigmático do que aquele fasto naquela cava. O que dominava ali era o encanto. A vegetação fantástica e a estratificação informe acordavam-se e compunham uma harmonia. Era de belo efeito aquele consórcio de coisas medonhas.”
(…)
“Era, em pleno dia, a ascensão da noite.
Havia no ar um calor de fogão. Uma lixívia de estufa saía daquele amontoado misterioso. O céu, que de azul tornara-se branco, de branco tornou-se cinzento. Dissera-se uma grande ardósia. Embaixo o mar escuro e de chumbo era outra ardósia enorme. Nem um sopro, nem um rumor. Ao longe o mar deserto. Nenhuma vela.
Os pássaros tinham-se escondido. Sentia-se a traição do infinito.
O crescimento de toda aquela sombra amplificava-se insensivelmente.
A montanha movediça de vapores que se dirigia para a Douvres era uma dessas nuvens que se podem chamar nuvens de combate.
Nuvens vesgas.
Temível era a aproximação.
Gilliatt examinou firmemente a nuvem e murmurou entre dentes: Tenho sede, vais dar-me água.”
(…)
“Gilliatt cismava trêmulo.
Mas não se desconcertou. Para aquela alma não havia derrota possível.
O furacão engolfava-se agora freneticamente entre as duas muralhas do estreito.”
Eis alguns trechos de “Os Trabalhadores do Mar”. Impossível postar de uma só vez. Hoje postamos trechos referentes ao enredo do livro, contando um pouco do personagem principal e suas agruras. Brevemente colocaremos outras partes que refletem o pensamento do grande Victor Hugo.
Karina