Archive for junho, 2009

Murilo Mendes em conta-gotas

O utopista


Ele acredita que o chão é duro

Que todos os homens estão presos

Que há limites para a poesia

Que não há sorrisos nas crianças

Nem amor nas mulheres

Que só de pão vive o homem

Que não há um outro mundo.


A tentação


Diante do crucifixo

Eu paro pálido tremendo

“ Já que és o verdadeiro filho de Deus

Desprega a humanidade desta cruz”.


O mau samaritano


Quantas vezes tenho passado perto de um doente,

Perto de um louco, de um triste, de um miserável,

Sem lhes dar uma palavra de consolo.

Eu bem sei que minha vida é ligada à dos outros,

Que outros precisam de mim que preciso de Deus

Quantas criaturas terão esperado de mim

Apenas um olhar – que eu recusei.

Karina


Leave a comment »

Livros: os melhores amigos

learnMeus Amigos

Tenho amigos cuja companhia me é extremamente agradável: são de todas as idades e vêm de todos os países. Eles se distinguiram tanto nos escritórios quanto nos campos, e obtiveram altas honrarias por seu conhecimento nas ciências. É fácil ter acesso a eles: estão sempre à disposição, e eu os admito em minha companhia, e os despeço, quando bem entendo. Nunca dão problemas, e respondem prontamente a cada pergunta que faço. Alguns me contam histórias de eras passadas, enquanto outros me revelam os segredos da natureza. Alguns, pela sua vivacidade, levam embora minhas preocupações e estimulam meu espírito, enquanto outros fortificam minha mente e me ensinam a importante lição de refrear meus desejos e de depender só de mim. Eles abrem, em resumo,  as várias avenidas de todas as artes e ciências, e eu confio em suas informações inteiramente, em todas as emergências. Em troca de todos esses serviços, apenas pedem que eu os acomode em algum canto de minha humilde morada, onde possam repousar em paz – pois esses amigos deleitam-se mais com a tranquilidade da solidão do que com os tumultos da sociedade.

O texto acima, de Francesco Petrarca, foi retirado do livro  “A Paixão pelos Livros” – Editora Casa da Palavra e organização de Martha Ribas e Júlio Silveira.

Petrarca (1304-1374) nasceu na Itália e foi um dos poetas mais reconhecidos de sua época, tendo influenciado positivamente a literatura ocidental com a sua obra. Seus textos mais conhecidos são os dedicados a sua musa inspiradora Laura de Noves.

Karina

Comments (2) »

Mais Baudelaire

Como já dissemos aqui no blog, o escritor francês Charles Baudelaire foi amplamente censurado na ocasião em que divulgou a sua obra mais famosa – “As Flores do Mal”. O livro, de fato, só foi publicado na íntegra após a morte do poeta.

O poema trazido abaixo foi um dos quais  Baudelaire  teve que retirar do livro em decorrência de ordem judicial e se refere, segundo estudiosos, a uma animadora parisiense de nome Apollonia Sabatier, que inclusive teria tido um caso com o poeta.

Vejam o estilo ousado e violento do escritor francês que mostrou o lado podre e miserável da sociedade parisiense  e aguardem novos posts sobre a sua obra:

left_roses

A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE


Teu ar, teu gesto, tua fronte

São belos qual bela paisagem;

O riso brinca em tua imagem

Qual vento fresco no horizonte.


A mágoa que te roça os passos

Sucumbe à tua mocidade,

À tua flama, à claridade

Dos teus ombros e dos teus braços.


As fulgurantes, vivas cores

De tua vestes indiscretas

Lançam no espírito dos poetas

A imagem de um balé de flores.


Tais vestes loucas são o emblema

De teu espírito travesso;

Ó louca por quem enlouqueço,

Te odeio e te amo, eis meu dilema!


Certa vez, num belo jardim,

Ao arrastar minha atonia,

Senti, como cruel ironia,

O sol erguer-se contra mim;


E humilhado pela beleza

Da primavera ébria de cor,

Ali castiguei numa flor

A insolência da Natureza.


Assim eu quisera uma noite,

Quando a hora da volúpia soa,

Às frondes de tua pessoa

Subir, tendo à mão um açoite,


Punir-te a carne embevecida,

Magoar o teu peito perdoado

E abrir em teu flanco assustado

Uma larga e funda ferida,


E, como êxtase supremo,

Por entre esses lábios frementes,

Mais deslumbrantes, mais ridentes,

Infundir-te, irmã, meu veneno!


Karina

Comments (1) »

“Voz que se cala”, de Florbela Espanca

Oferecemos aos leitores mais um poema da sensível e atormentada escritora portuguesa Florbela Espanca.

Voz Que Se Cala
butter
Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!…

Karina

Leave a comment »

O Elefantinho e A Foca, de Vinicius

Seguem mais dois poemas para crianças da lavra do grande mestre Vinicius de Moraes. A coleção de poesias infantis deixadas por Vinicius é um clássico que deve ser conhecido e divulgado.

1037397_elephantlet

O ELEFANTINHO

Onde vais, elefantinho

Correndo pelo caminho

Assim tão desconsolado?

Andas perdido, bichinho

Espetaste o pé no espinho

Que sentes, pobre coitado?


– Estou com um medo danado

Encontrei um passarinho!

900404_baby_seal


A FOCA

Quer ver a foca

Ficar feliz?

É pôr uma bola

No seu nariz.


Quer ver a foca

Bater palminha?

É dar a ela

Uma sardinha.


Quer ver a foca

Fazer uma briga?

É espetar ela

bem na barriga!

Telma

Comments (3) »

Literatura Infantil

Oferecemos o post de hoje principalmente aos leitores mirins. Trazemos dois poemas infantis, um da consagrada Cecília Meireles e o outro do escritor e poeta paulista José Paulo Paes (1926-1998), que dedicou grande parte de sua carreira a escrever para crianças e  – diga-se – com muita criatividade e sutileza.

Certamente, se apresentadas desde cedo à obra desses poetas, as crianças irão carregar consigo o hábito de gostar de ler.

Confiram:


RARIDADE

macaw

A arara

é uma ave rara

pois o homem não pára

de ir ao mato caçá-la

para a pôr na sala

em cima de um poleiro

onde ela fica o dia inteiro

fazendo escarcéu

porque já não pode

voar pelo céu.


E se o homem não pára

de caçar arara,

hoje uma ave rara,

ou a arara some

ou então muda seu nome

para arrara.

(José Paulo Paes)

A BAILARINA

ballerina

Esta menina

tão pequenina

quer ser bailarina.


Não conhece nem dó nem ré

mas sabe ficar na ponta do pé.


Não conhece nem mi nem fá

mas inclina o corpo para cá e para lá.


Não conhece nem lá nem si,

mas fecha os olhos e sorri.


Roda, roda, roda com os bracinhos no ar

e não fica tonta nem sai do lugar.


Põe no cabelo uma estrela e um véu

e diz que caiu do céu.


Esta menina

tão pequenina

quer ser bailarina.


Mas depois esquece todas as danças,

e também quer dormir como as outras crianças.

Karina

Comments (2) »

Os Poemas, por Mário Quintana

OS POEMAS

write

Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam vôo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso

nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhado espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti…

Karina

Comments (2) »

Sábado com Drummond

2490250909_843aca8467

O texto trazido hoje foi retirado do livro “70 Historinhas”, da editora Record. Nele percebemos o estilo característico de Carlos  Drummond de Andrade: liguagem simples, mas rica e precisa e temática no homem e suas dores e anseios.

Vale a pena ler. Certamente irá enriquecer o sábado do leitor.

CORAÇÃO SEGUNDO

– De acrílico, de fórmica, de isopor, meticulosamente combinados, fiz meu segundo coração, para enfrentar situações a que o primeiro, o de nascença, não teria condições de resistir. Tornei-me, assim, homem de dois corações. A operação sigilosa foi ignorada pelos repórteres. Eu mesmo fabriquei meu coração novo, nos fundos da casa onde moro. Nenhum vizinho desconfiou, mesmo porque sabem que costumo fechar-me em casa, semanas inteiras, modelando bonecos de barro ou de massa, que depois ofereço às crianças. Oferecia. Meus bonecos não têm arte, representam o que eu quero. Fiz um Einstein que acharam parecido com Lampião. Para mim, era Einstein. Os garotos riam, tentando adivinhar que tipos eu interpretara. Carlito! Não era. Às vezes, não sei por quê, admitia fosse Carlito. Nunca dei importância a leis de semelhança e verossimilhança, que sufocam toda espécie de criação.

Mas, como disse, fiz meu coração sem ninguém saber. E à noite, em perfeita lucidez, abrindo o peito mediante processo que não vou contar, pois minha descrição talvez horrorizasse o leitor, e eu não pretendo horrorizar ninguém — abrindo o peito, instalei lá dentro esse coração especial, regulado para não sofrer. Ao mesmo tempo, desliguei o outro. Como? Também prefiro não explicar. Possuo extrema habilidade manual, aguçada à noite, e sei o que geralmente se sabe dos órgãos do corpo e suas funções e reações, depois que ficou na moda tratar dessas coisas em jornais e revistas. Além disso, minha capacidade de resistir à dor física sempre foi praticamente ilimitada. Desde criança. Mas as dores morais, as dores alheias, as dores do mundo, acima de tudo, estas sempre me vulneraram. Recompus a incisão, senti que tudo estava perfeito, e fui dormir.

Na manhã seguinte, ao ler as notícias que falavam em fome no Paquistão, guerra civil na Irlanda, soldados que se drogam no Vietnã para esquecer o massacre, explosão experimental de bombas de hidrogênio, tensão permanente no Canal de Suez, golpes vitoriosos ou malogrados na América Latina, bem, não senti absolutamente nada. O coração funcionava a contento. Fui para o trabalho experimentando sensação inédita de leveza. No caminho, vi um corpo de homem e outro de mulher estraçalhados entre restos de um automóvel. Pela primeira vez pude contemplar um espetáculo desses sem me crispar e sem envenenar o meu dia. Fitei-o como a objetos de uma casa expostos na calçada, em hora de mudança. E passei um dia normal. Trabalho, refeições, sono, igualmente normais, coisa que não acontecia há anos.

Meu coração fora planejado para evitar padecimento moral, e desempenhava bem a função. Assisti impassível a cenas que antes me fariam explodir em lágrimas ou protestos. Felicitei-me pela excelência. Mas aí começou a ocorrer um fenômeno desconcertante. Eu, que não sofria com as doenças que me assaltavam, passei a sentir reflexos de moléstias inexistentes. Simples corte no dedo, sem inflamação, afligia-me como chaga aberta. Dor de cabeça que passa com um comprimido ficava durante semanas. Meu corpo tornou-se frágil, exposto ao sofrimento. E eu não tinha nada. Consultei especialistas. Fiz checkup, não se descobriu qualquer lesão ou distúrbio funcional. Eram apenas imotivadas, gratuitas. Meu coração nº 2  passava pela radiografia sem ser percebido. Irredutível à dor moral, era invisível a aparelhos de precisão. Comecei a sofrer tanto com os meus males carnais que a vida se tornou insuportável. A dor aparecia especialmente em horas impróprias. Em reuniões sociais. Em concertos. No escritório, ao tratar de negócios.Então fazia caretas, emitia gemidos surdos, assumindo aspecto feroz. Assustavam-se, queriam chamar ambulância, eu recusava. Tinha medo de que descobrissem o coração fabricado.

Outra coisa: as crianças começaram a achar estranhos meus bonecos, não queriam aceitá-los. Sempre gostei de crianças. E elas me repeliam. Esmerei-me na feitura de peças que pudessem cativá-las, mas em vão.

Hoje vi um homem encostado a um oiti, diante do mar. Sua expressão de angústia dava ao rosto o aspecto de chão ressecado. Tive pena dele. Surpreso, ignorando tudo a seu respeito, mas participando de sua angústia e trazendo-a comigo para casa.

Agora à noite, decidi-me. Voltei a abrir o peito e examinei o coração segundo. Com pequena fissura no isopor, já não era perfeito. Ao tocá-lo, as partes se descolaram. Inútil restaurá-lo. Joguei fora os restos, liguei o antigo e fechei o cavername. Talvez pela falta de uso, sinto que o coração velho está rateando. Que fazer? E vale a pena fazer? A manhã tarda a chegar, e não encontro resposta em mim.

Karina

Leave a comment »

Namorados: um brinde ao amor!

Hoje é dia dos namorados. Nada melhor para homenagear o amor que uma bela poesia de Vinicius de Moraes, que , como ninguém, cantou em prosa e verso o sentimento mais importante do mundo. Ele conhecia a linguagem dos amantes…

Seguem abaixo as poesias “Soneto do Amor como um Rio”, escrita em 1959, e o clássico “Soneto do Amor Total”, de 1951, verdadeiros presentes deixados pelo poetinha a todos os enamorados.

1084239__lovetree__2

SONETO DO AMOR COMO UM RIO

Este infinito amor de um ano faz

Que é maior do que o tempo e do que tudo

Este amor que é real, e que, contudo,

Eu já não cria que existisse mais.


Este amor que surgiu insuspeitado

E que dentro do drama fez-se em paz

Este amor que é o túmulo onde jaz

Meu corpo para sempre sepultado.


Este amor meu é como um rio; um rio

Noturno, interminável e tardio

A deslizar macio pelo ermo


E que em seu curso sideral me leva

Iluminado de paixão na treva

Para o espaço sem fim de um mar sem termo.

941838_heart



SONETO DO AMOR TOTAL

Amo-te tanto, meu amor… não cante

O humano coração com mais verdade…

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade


Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.


Amo-te como um bicho, simplesmente,

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim muito a amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

Telma

Leave a comment »

Poema de Reconciliação

Para o leitor que está “brigado” com o seu par e quer fazer as pazes, que tal oferecer um poema de reconciliação? Temos certeza que com estes versos cheios de originalidade compostos por Drummond não haverá briga que resista!

letter_and_rose

Lira Romantiquinha


Por que me trancas

o rosto e o riso

e assim me arrancas

do paraíso?


Por que não queres,

deixando o alarme

(ai, Deus: mulheres!),

acarinhar-me?


Por que cultivas

as sem perfume

e agressivas,

flores do ciúme?


Acaso ignoras

que te amo tanto,

todas as horas,

já nem sei quanto?


Visto que em suma

é todo teu,

de mais nenhuma,

o peito meu?


Anjo sem fé

nas minhas juras,

porque é que é

que me angusturas?


Minh’alma chove

frio, tristinho.

Não te comove

este versinho?

Karina

Leave a comment »