Posts tagged mulheres

Machismo assimilado

Texto de Eduardo Galeano que vem a calhar nesta triste semana para as mulheres.

 

A AUTORIDADE

woman-704830_960_720.jpg
Em épocas remotas, as mulheres se sentavam na
proa das canoas e os homens na popa. As mulheres
caçavam e pescavam. Elas saíam das aldeias e voltavam
quando podiam ou queriam. Os homens montavam
as choças, preparavam a comida, mantinham acesas as
fogueiras contra o frio, cuidavam dos filhos e curtiam
as peles de abrigo.
Assim era a vida entre os índios onas e os yaganes,
na Terra do Fogo, até que um dia os homens mataram
todas as mulheres e puseram as máscaras que as mulheres
tinham inventado para aterrorizá-los.
Somente as meninas recém-nascidas se salvaram
do extermínio. Enquanto elas cresciam, os assassinos
lhes diziam e repetiam que servir aos homens era seu
destino. Elas acreditaram. Também acreditaram suas
filhas e as filhas de suas filhas.

(do livro Mulheres)

Karina

 

Leave a comment »

Dia da Mulher

A todas as leitoras do blog desejamos que continuem suavizando o mundo com doçura e tolerância.

Abaixo trechos do escritor Eduardo Galeano, que no livro “Mulheres” traz seu olhar sobre a alma feminina.

 

Janela sobre uma mulher/1

 Di Cavalcanti Mulheres Facetadas

Essa mulher é uma casa secreta.

Em seus cantos, guarda vozes e esconde fantasmas.

Nas noites de inverno, jorra fumaça.

Quem entra nela, dizem, não sai nunca mais.

Eu atravesso o fosso profundo que a rodeia. Nessa casa serei habitado. Nela me espera o vinho que me beberá. Muito suavemente bato na porta, e espero.

 /

Janela sobre uma mulher/2

picasso[1]

A outra chave não gira na porta da rua.

A outra voz, cômica, desafinada, não canta no chuveiro.

No chão do banheiro não há marcas de outros pés molhados.

Nenhum cheiro quente vem da cozinha.

Uma maçã meio comida, marcada por outros dentes, começa a apodrecer em cima da mesa.

Um cigarro meio fumado, lagarta de cinza morta, tinge a beira do cinzeiro.

Uma água suja chove dentro de mim.

 /

Janela sobre uma mulher/3

 chagall

Ninguém conseguirá matar aquele tempo, ninguém vai conseguir jamais: nem nós. Digo: enquanto você existir, onde quer que esteja, ou enquanto eu existir.

Diz o almanaque que aquele tempo, aquele pequeno tempo, já não existe; mas nesta noite meu corpo nu está transpirando você.

 

Karina

Comments (1) »

Para inventar o mundo cada dia

 

1159605

Conversamos, comemos, fumamos, caminhamos, trabalhamos juntos, maneiras de fazer o amor sem entrar-se, e os corpos vão se chamando enquanto viaja o dia rumo à noite.

Escutamos a passagem do último trem. Badaladas no sino da igreja.. É meia-noite.

Nosso trenzinho próprio desliza e voa, anda que te anda pelos ares e pelos mundos, e depois vem a manhã e o aroma anuncia o café saboroso, fumegante, recém-feito. De sua cara sai uma luz limpa e seu corpo cheira a molhadezas.

Começa o dia.

Contamos as horas que nos separam da noite que vem. Então, faremos o amor, o tristecídio.

 

(Eduardo Galeano in Mulheres)

 

Karina

Leave a comment »