Há uma semana, ou pouco mais, postamos a crônica de Vinicius de Moraes – Para Viver um grande Amor, a qual foi muito acessada no blog. O autor do blog “O Grifo é Meu” (ótimo, por sinal), ao comentar aquela crônica, indicou outra, também pertencente à coletânea de prosa Para Viver um grande Amor. A crônica indicada é justamente a que postaremos hoje.
“O amor por entre o verde” é mais um texto que fala de amor, tema esmiuçado por Vinicius de forma encantadora e brilhante:
O AMOR POR ENTRE O VERDE
Não é sem frequência que, à tarde, chegando à janela, eu vejo um casalzinho de brotos que vem namorar sobre a pequenina ponte de balaustrada branca que há no parque. Ela é uma menina de uns treze anos, o corpo elástico metido num blue jeans e um suéter folgadão, os cabelos puxados para trás num rabinho-de- cavalo que está sempre a balançar para todos os lados; ele, um garoto de, no máximo, dezesseis, esguio, com pastas de cabelo a lhe tombar sobre a testa e um ar de quem descobriu a fórmula da vida.
Uma coisa eu lhes asseguro: eles são lindos e ficam montados um em frente ao outro, no corrimão da colunata, os joelhos a se tocarem, os rostos a se buscarem a todo momento para pequenos segredos, pequenos carinhos, pequenos beijos. São, na sua extrema juventude, a coisa mais antiga que há no parque, incluindo velhas árvores que por ali espapaçam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem daria para escrever todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois têm uma tal ancestralidade que nunca se há de saber a quantos milênios remontam.
Eu os observo por um minuto apenas para não perturbar-lhes os jogos de mão e misteriosos brinquedos mímicos com que se entretêm, pois suspeito de que sabem de tudo o que se passa à sua volta. Às vezes, para descansar da posição, encaixam-se os pescoços e repousam os rostos um sobre o ombro do outro, como dois cavalinhos carinhosos, e eu vejo então os olhos da menina percorrerem vagarosamente as coisas em torno, numa aceitação dos homens, das coisas e da natureza, enquanto os do rapaz mantêm-se fixos, como a prescrutar desígnios. Depois voltam à posição inicial e se olham nos olhos, e ela afasta com a mão os cabelos de sobre a fronte do namorado, para vê-lo melhor e sente-se que eles se amam e dão suspiros de cortar o coração. De repente o menino parte para uma brutalidade qualquer, torce-lhe o pulso até ela dizer-lhe o que ele quer ouvir, e ela agarra-o pelos cabelos, e termina tudo, quando nao há passantes, num longo e meticuloso beijo.
– Que será – pergunto-me eu em vão – dessas duas crianças que tão cedo começam a praticar os ritos do amor? Prosseguirão se amando, ou de súbito, na sua jovem incontinência, procurarão o contato de outras bocas, de outras mãos, de outros ombros? Quem sabe se amanhã quando eu chegar à janela, não verei um rapazinho moreno em lugar do louro ou uma menina com a cabeleira solta em lugar dessa com cabelos presos?
– E se prosseguirem se amando – pergunto-me novamente em vão – será que um dia se casarão e serão felizes? Quando, satisfeita a sua jovem sexualidade, se olharem nos olhos, será que correrão um para o outro e se darão um grande abraço de ternura? Ou será que se desviarão o olhar, para pensar cada um consigo mesmo que ele não era exatamente aquilo que ela pensava e ela era menos bonita ou inteligente do que ele a tinha imaginado?
É um tal milagre encontrar, nesse infinito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado… Esqueço o casalzinho no parque para perder-me por um momento na observação triste, mas fria, desse estranho baile de desencontros, em que frequentemente aquela que deveria ser daquele acaba por bailar com outro porque o esperado nunca chega; e este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mãos sem querer se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e não se reconheceram.
E é então que esqueço tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me crucifico neles banhado em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer que lhe causasse dano; e gostaríamos que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e nossos olhos indecomponíveis ficassem para sempre abertos, mirando muito além das estrelas.
Karina
Red,whathellisthat? said,
agosto 18, 2010 @ 10:29 pm
Esse texto do Vinícius define maravilhosamente bem a idéia desse amor romântico, o da busca eterna `metade` feita pra cada um de nós.
Quanta poesia nessa prosa.
Eu também postei.
;0)
Telma e Karina said,
agosto 20, 2010 @ 4:28 pm
Você disse tudo: quanta poesia nessa prosa! Vinicius de Moraes é um ícone quando se fala de amor… Obrigada pela visita e volte sempre! beijos! Karina e Telma
vitoria said,
março 19, 2011 @ 3:09 pm
o amor é maior que tudo nessas poesias de Vinicius de moraes.
adliane said,
agosto 19, 2011 @ 2:13 pm
Sempre que leio essa crônica fico emocionada, pois penso em meu esposo e como essas palavras finais expressam meus sentimentos por ele… Alias, ele (meu esposo) recitou essa crônica para mim na nossa época de namoro, e em um de nossos aniversários de namoro fez um vídeo com fotos nossas e essa crônica…foi lindo inesquecível, não tem como não se emocionar ao lê-lo novamente
Telma e Karina said,
agosto 22, 2011 @ 3:29 am
Essa crônica é simplesmente maravilhosa mesmo. Deve ter sido emocionante quando o seu amor a leu para você. Vinícius é inigualável quando se trata de falar de amor. Beijos. Karina
sonia said,
agosto 22, 2011 @ 12:57 pm
Grande Poeta Vinicius,de uma sensibilidade incrível…conhecedor desse sentimento tão nobre que é o amor!Amei…Parabéns pela escolha.Bjs
Telma e Karina said,
agosto 23, 2011 @ 2:40 am
Obrigada, Sô! Vinicius dispensa comentários, Nunca vi alguém tão talentoso para falar sobre o amor… Beijos!
Carla said,
setembro 9, 2011 @ 5:54 pm
Nossa Vinicius é tudo de bom cara , esse é meu poema prosa predileto ! vou levar pra toda vida , esse amor por entre o verde
Telma e Karina said,
setembro 9, 2011 @ 8:38 pm
Realmente essa crônica é maravilhosa. Volte sempre! Um abraço, Karina
Angélica Rocha said,
outubro 20, 2011 @ 2:01 pm
Ai ai…
Amor,o mais belo dos sentimentos!
Não me canso de ler as maravilhosas obras de Vinicius de Moraes!
Uma terapia para quem conhece tão pouco do amor!
Aprendo cada dia mais com o mestre da poesia e prosa…
Telma e Karina said,
outubro 21, 2011 @ 1:29 am
Esta crônica é absolutamente maravilhosa, Angélica! Vinicius é para ler todo dia e sempre… Beijos!